A sequência de acontecimentos rocambolescos desencadeada pela inauguração das novas instalações no Museu do Chiado dá que pensar. Fica a sensação de que falta bom senso e sobra rigidez de espírito. Tantos doutores, curadores, suas excelências, pessoas tão cultas, tão informadas, a fina flor dos que pensam e organizam o pensamento alheio nos assuntos das artes plásticas, ofereceram, a quem lhes quis prestar atenção, um espectáculo de ópera bufa com argumento muito pobrezinho.
Parece impossível que gente tão embrenhada no trabalho, conhecedora dos mecanismos mais complexos em termos de museologia e exposição de beleza, seja incapaz de encontrar o ponto de equilíbrio necessário à ultrapassagem de conflitos que, assim à primeira vista, parecem ser fruto de coisitas menores, mesquinhas sementes de conflito. Encabeçados por um secretário de estado aparentemente despojado de poder de decisão, hesitante e subserviente, personagem menor num elenco executivo de baixa qualidade, os senhores das artes portuguesas andaram à cotovelada e à canelada à vista de toda a gente.
Da mesma forma que passámos de uma sociedade rural, com 30% de analfabetos em 1970, para uma sociedade ao estilo europeu, com os actuais 5% de analfabetos, saltando da miséria total para um consumismo acéfalo, deslocando os basbaques dos bancos das igrejas para os corredores dos centros comerciais, também no nosso pequeno universo artístico saltámos de um estado de indigência fascistóide para um admirável mundo de novos intelectuais que aprenderam tudo sobre arte mas parecem não saber nada sobre relações humanas ou interesse público. Terão faltado à aula onde foi explicada a relação entre Ética e Estética?
Presidentes disto, directores daquilo, extensas filas de variados doutores, agarrados ao croquete e ao copinho de vinho doce, olham a populaça lá do alto das janelas do palácio onde a beleza é encerrada e curtem a glamourosa vernissage. Muita finesse, muita beautiful people que, no fim do dia, olhou as obras expostas com a mesma elegância com que o boi olha o palácio enquanto rumina a erva do almoço. Muita arte sem artistas.
Carta enviada à Directora do Público em 19 de Julho de 2015
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