Santana-Maia Leonardo
Com a adesão à União Europeia, os portugueses que, durante o tempo do Estado Novo, viveram esmagados sob o peso asfixiante da ditadura centralista do Terreiro do Paço, acreditaram que ia ser possível finalmente cumprir a principal promessa de Abril e que ainda hoje está plasmada na nossa Constituição.
Com efeito, segundo a nossa Constituição, uma das tarefas fundamentais do Estado é "promover a igualdade real entre os portugueses (...) e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional" (artigo 9º e 90º), incumbindo-lhe prioritariamente "orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo." (artigo 81º/e). Por sua vez, o artigo 13º/1 da CRP declara que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei."
De boas intenções está o inferno cheio. E a verdade nua e crua é que, quarenta anos após o 25 de Abril e vinte e cinco anos após a abertura da torneira dos fundos comunitários, Portugal não só não se tornou num país mais harmonioso como os sucessivos governos se empenharam em transformar a A1 no nosso Mediterrâneo interior, a verdadeira fronteira de Portugal e da cidadania portuguesa.
Com efeito, tendo em conta o enorme desequilíbrio actualmente existente entre as duas margens da A1, o interior do país já não tem sequer verdadeira representatividade política, quer por força do número de eleitores, quer porque os seus eleitos, em boa verdade, vêem na sua eleição o salvo-conduto para poderem pular a cerca e fixar residência em Lisboa.
Quanto ao nosso modelo económico, ainda existe alguma divergência entre os diferentes partidos políticos. No entanto, quanto ao nosso modelo de desenvolvimento, não há, em todo o espectro político, um único partido que levante a voz com firmeza contra este modelo assente na Cidade Estado grega e defenda, com convicção, o modelo holandês das cidades médias, o único que garante o "desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional", a pedra de toque da nossa Constituição.
E não nos venham com o estafado argumento da rede de auto-estradas, construída com os fundos comunitários, para defender a tese da coesão territorial. A rede de auto-estradas só é um factor de coesão territorial num país nivelado. Porque se o país estiver inclinado para um dos lados, as auto-estradas ainda vão acelerar mais o processo de esvaziamento do território. Como é óbvio.
Quem olhar para a configuração de Portugal não pode deixar de saber que Lisboa e a frente marítima exercem sobre todo o território nacional, por natureza, uma força de atracção irresistível. Consequentemente, se um Governo quer efectivamente promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, como lhe impõe a Constituição, só tem uma forma de contrariar essa força: através da deslocalização de serviços e de órgãos de direcção do Estado para o interior do país, sob pena de Portugal ficar confinado, muito em breve, à região da Grande Lisboa. E o exemplo deveria ser dado pelo Presidente da República, pelo Governo e pela Assembleia da República.
Portugal é hoje um micro-país que reproduz em ponto grande o mesmo modelo de desenvolvimento dos micro-municípios em que está sub-dividido: uma sede de concelho desproporcionada em relação às restantes localidades do município que, numa primeira fase, cresce à conta do esvaziamento das freguesias rurais para, numa segunda fase, ela própria se começar a esvaziar para Lisboa e para o litoral, perdendo população activa e massa crítica. Ou seja, começa-se por migrar dentro do próprio território para depois se emigrar.
Um território com dez milhões de habitantes é uma pequena cidade. Acontece que os sucessivos governos, em vez de governarem Portugal como se fosse uma cidade, continuam a governar Lisboa como se fosse o país.
Se o poder político insistir em continuar a viver fechado, dentro das muralhas de Lisboa, num ovo com a casca cada vez mais grossa, Portugal vai morrer sem sair da casca. Para haver crescimento sustentável e renovação das gerações num pequeno país como o nosso, é necessário, antes de mais, que não o tornemos ainda mais pequeno, amontoando tudo o que mexe dentro de uma região superlotada.
Cabe, pois, ao poder político esticar a área territorial da Grande Lisboa a todo o território nacional, em vez de continuar a encolher Portugal para melhor caber dentro da capital. Com mais espaço tudo se torna mais fácil.
Experimentem colocar o Presidente da República e o Tribunal Constitucional em Beja, a sede do Governo e os principais ministérios nos distritos de Portalegre e Castelo Branco; o Supremo Tribunal de Justiça e os restantes ministérios nos distritos de Viseu e Guarda; a Assembleia da República em Bragança (230 deputados em Bragança criam riqueza; em Lisboa criam despesa). Depois distribuam as direcções gerais e as secretarias de Estado pelos distritos respectivos, os quartéis militares e as universidades pelas cidades vocacionadas para os receber e verão como tudo muda.
Lisboa, por um lado, perdia pressão urbanística e tornava-se uma cidade mais barata e onde era mais fácil viver e trabalhar. O interior, por sua vez, ganhava dinamismo e crescia naturalmente, em população, massa crítica e economicamente. E Portugal tornava-se naturalmente um país menos atreito à corrupção, na medida em que o poder político e o poder económico deixavam de partilhar a mesma cama. Para que haja uma verdadeira separação de poderes, não basta que a Constituição a proclame, é necessário também que os poderes vivam separados.
Por outro lado, a deslocalização da capital política para a fronteira espanhola, para além de nivelar o território, fazia com que Portugal ficasse com duas frentes: a atlântica e a continental, valorizando, desta forma, a sua ligação a Espanha e à Europa.
Além disso, ficavam criadas as condições para uma significativa população jovem activa poder ter, criar e educar tranquilamente os seus filhos. As cidades de província oferecem aos jovens pais tempo e condições para criarem os seus filhos que Lisboa não tem capacidade de oferecer.
Por outro lado, o apoio inter-geracional ficava também mais facilmente garantido porque seria mais fácil manter os filhos perto da casa dos seus pais e avós. Sem esquecer que é impossível tomar medidas efectivas no combate à desertificação e na promoção da natalidade, quando o Governo vive fechado dentro de um ovo a abarrotar pelas costuras.
Quanto à Regionalização (na versão político-administrativa), de que eu sou um adversário confesso, não só não é, neste momento, solução como iria acelerar ainda mais o processo de desertificação, reduzindo Portugal a três cidades: Lisboa, Porto e Faro. Este tipo de regionalização, bem como os círculos uninominais, só são defensáveis em países com grande coesão territorial, caso contrário ainda vão acentuar mais as assimetrias. Como é evidente.
Aliás, os grandes defensores da Regionalização são precisamente aqueles que aspiram a que a sua cidade seja a Lisboa da sua região. Ou seja, não pretendem inverter o modelo da Cidade Estado mas copiá-lo.
Ora, existe um argumento verdadeiramente demolidor contra a Regionalização: a unidade milenar de um pequeno país que uma fabulosa rede de auto-estradas e o acesso generalizado à internet teve o condão de tornar todas as cidades vizinhas.
Mas é precisamente chegados aqui que aqueles que são contra a Regionalização não extraem a consequente ilação.
Com efeito, se é verdade que Lisboa está hoje perto de tudo, como argumentam e bem aqueles que são contra a Regionalização, por que razão, então, está hoje tudo em Lisboa?
Para quem não saiba, a distância entre Portalegre e Lisboa é precisamente igual à distância entre Lisboa e Portalegre.
E, digam-me com fraqueza, faz sentido atravancar Lisboa com todos os órgãos de direcção do estado e da administração pública, com universidades públicas e quartéis militares, obrigando o país inteiro a esvaziar-se para Lisboa, para depois se vir reivindicar a introdução de portagens na entrada de Lisboa porque a cidade já não suporta tanto trânsito automóvel e começa a ter níveis de poluição preocupantes?
Por um lado, colocam lá tudo e obrigam toda a gente a ir para lá ou a ter de lá ir, e, depois, querem impedir as pessoas de lá ir, alegando excesso de trânsito, de poluição e de pessoas.
É bom não esquecer, quando ouvimos os nossos governantes falar em incentivos para fixar as populações nas regiões do interior, que o nosso problema hoje já não é fixar a população porque quem aqui vive irá fixar residência no cemitério muito em breve.
O que o interior precisa urgentemente é de uma política corajosa que obrigue uma significativa população activa e culta que hoje se amontoa na Região da Grande Lisboa a repovoar o território e a fixar-se nas cidades do interior. E isso só se consegue com a deslocalização de ministérios, secretarias de Estado, direcções-gerais, universidades, hospitais, tribunais superiores para o interior do país.
Se Lisboa continuar a aumentar a oferta de serviços para dar resposta ao enorme fluxo populacional que inevitavelmente atrai, muito em breve até a Universidade de Coimbra fecha.
Ora, o interior não pode ser visto apenas pelos senhores de Lisboa como o local de destino de gente que só serve para semear batatas, de empresas altamente poluentes ou de aterros sanitários.
Após o 25 de Abril, apenas a cidade do Porto conseguiu, de forma consistente, enfrentar o poder de Lisboa.
Em todo o caso, Porto e Lisboa são cidades da orla costeira pelo que se impunha que Bragança, Vila Real, Coimbra, Viseu, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora e Beja dessem as mãos para obrigar o Terreiro do Paço a esticar Lisboa até à fronteira espanhola sob pena de a fronteira espanhola se esticar até à A1, caso o Governo de Lisboa insista em abandonar o território nacional.
Mas se a Regionalização não é a solução, os micro-municípios também o não são e pela mesma razão.
Para vivermos num país equilibrado, quer do ponto de vista estrutural, quer do ponto de vista da defesa do estado de direito, as autarquias têm de ganhar dimensão.
Não é possível sequer garantir a independência do exercício do cargo, nem a racionalidade económica e a boa gestão dos recursos, a políticos eleitos em autarquias com menos de 100 ou 200 mil eleitores, dependendo da área territorial, o que não significa, saliente-se, o encerramento dos serviços públicos prestados pelas câmaras municipais.
Pelo contrário, o actual modelo é que vai levar inevitavelmente ao encerramento das câmaras municipais num processo de canibalização em que os grandes vão devorando os pequenos.
Ora, não se deve confundir serviços de proximidade com políticos de proximidade.
Os serviços devem estar próximos das pessoas mas os eleitos têm de estar necessariamente a uma distância de segurança que os impeça de ficarem reféns de um pequeno colégio eleitoral.
Concluindo: somos um pequeno país cuja organização política e administrativa, para além de o tornar ainda mais pequeno, torna-nos pequeninos porque promove e fomenta a corrupção, a inveja, a mediocridade e o caciquismo.
Fernão Capelo Gaivota, um dos meus heróis de referência juntamente com o corvo Vicente de Miguel Torga, dizia uma coisa óbvia: "Vê mais longe a gaivota que voa mais alto."
Acontece que o nosso sistema político obriga o nosso povo a voar muito baixinho.
E quem voa baixinho tem necessariamente as vistas curtas.
É, precisamente, por esta razão que quem ambiciona voos mais altos tem obrigatoriamente de sair de Portugal.
É certo que, se quiséssemos, podíamos mudar o nosso destino.
Como disse Alexandre Herculano, "o desejo mede os obstáculos, a vontade vence-os."
Mas o nosso problema é precisamente esse há mais de duzentos anos: muito desejo mas nenhuma vontade.
Ou melhor, quem tem vontade de mudar muda de país e só aqui fica quem quer que tudo continue na mesma como a lesma.
Portalegre, 11 de Julho de 2015
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