Na impotência, odiamos os outros – a causa dos nossos males
em mau olhado -porque achamos que não merecemos, somos sempre prejudicados,
esforçamo-nos e não conseguimos, tentamos, lutamos, levantamo-nos do chão no
insucesso e continuamos a tentar, raios nos quebrem se não havemos de
conseguir, mas não conseguimos porque é fado e o fado dá um enorme conforto
espiritual.
Não!
Não merecemos porque fazemos pouco por merecer, desistimos
na primeira contrariedade; não somos prejudicados, prejudicamo-nos em ficar de
cabeça perdida; esforçamo-nos muito
pouco, sejamos sinceros!; tentamos uma vez e se não conseguimos desistimos a
deitar culpa aos búzios; não nos levantamos do chão, é melhor ser coitadinho,
pedir comiseração, que pormo-nos de novo a andar.
A seguir abre-se a porta ao milagre. Somos abençoados, a
porta da epifania está sempre escancarada para nós. O que não realizamos ,
farão os astros por nós: a glória, o pedestal no olimpo, o reconhecimento do
universo ao papel fundamental que desempenhamos neste planeta.
Não desempenhamos nenhum papel.
Não há papéis
fundamentais no universo.
As leis das coisas nunca as compreenderemos. Ainda bem.
Enquanto houver pessoas com setenta anos que
surripiem consumíveis nos supermercados - e que dez tenham - e deitem os caroços, recatadamente para
debaixo da prateleira antes de chegar à caixa; enquanto esta paródia de país
parar para assistir a um masoquismo anunciado na imagem de uma bola; enquanto
formos rezar ao senhor doutor no campo dos mártires da pátria, a pedir melhores
dias porque somos boa gente; enquanto chorarmos de emoção pelo hino cantado por
uma dúzia de miúdos que cresceram na orgia dos bens materiais só porque têm
jeito no pé; enquanto não conseguirmos quebrar o ciclo do choro inconsequente e
tolo – e como isso está difícil –
levantar a cabeça, mandar a superstição às ortigas, desprezar como doença auto-imune o “boa
gente, mas coitadinhos”, não vamos conseguir absolutamente nada.
Pode até ser esse o nosso desidério – o da pequenez em bicos
de pé chato - mas já de si esta palavra soa muito mal, é feia, e prenuncia
destino, que é um conceito amaricado para quem prefere o fatalismo à coragem de
pôr um pé fora de casa e tentar andar.
Este texto veio-me à cabeça não pelo que vi hoje na
televisão, que foi o reflexo do que alguns de nós, muitos, somos: apáticos,
desistentes, fracos. Veio-me à cabeça por aquele espécime de neanderthalis que rouba comida no
supermercado, come-a, e cospe para o chão.
É bem possível que usufrua do rendimento social de inserção,
porque a sua esperteza, preguiça e indigência humana, lhe deu para viver toda a
sua comezinha existência à minha custa, à minha, que me vejo aflito por pagar
as minhas, as suas, e as contas dos animais que coabitam com ela, e para os
quais levou uma grade de cerveja paga com dinheiro meu.
Isto é tão fraquinho!
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