*Cristiane Lisita
Certa vez, Cecília Meireles escreveu: “eu não tinha esse
rosto de hoje (...) eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão
fácil: em que espelho ficou perdida a minha face?” Em que espelho se perderam
nossas faces? Estamos vivendo a “era do vazio”, ou do espelho para o nada, na
qual os mass media, e, sobretudo as redes sociais, nos revelam uma sociedade
corrompida pela vaidade, pelo fugaz. Pessoas descartáveis, que precisam apenas
manter sua autoestima, moldando-se a determinados padrões de conduta,
aparência, circunstâncias para serem enganadoramente felizes... A ditadura da
felicidade transforma o sentimento em algo tangível, exterior, de fácil
consumo, nos permite fugir das angústias e mostrar a vida janela afora. Nessa
sociedade cujo espelho reflete o vazio existencial é almejada a admiração, e
até a inveja. Ser invejado é fundamental para ter certeza de que o ego está
sendo massageado. Já dizia Sosígenes Costa acerca do pavão vermelho: “é o
próprio doge a se mirar no espelho”.
Nos
meus tempos de mocidade vestir jeans era confortável, despojado. Atualmente tem
que marcar a silhueta, mal cabe nas pernas. James Dean demonstrava que era
melhor ser triste, pois mais triste ainda era não sentir nada. Preferível uma juventude
chamada de transviada, despida de preconceitos, do que ter um comportamento
resignado, vicioso, abarrotado de artifícios que desviam dos objetivos, da
substância interior. Odeio a tal calça skinny.
Ela não se adapta ao corpo, ao contrário, o corpo deve se adaptar à
calça. As redes sociais alimentam o espelho de claridade, pois sem luz a
projeção não aparece. O remetente tornou-se seu principal destinatário, não
importa os conteúdos que vai emitir, não interessa uma imagem real, só
necessita da luz para refletir o seu próprio ego, já que não consegue se
libertar dele. E esses skinnyanos não
medem esforços para entrar na calça, para ver-se no espelho das redes sociais.
Para a alegria deles.
O
espelho de ontem transcendia a sua superfície polida, na qual se refletia a
luz, ou as imagens, para deixar transparecer o cerne de toda uma história, ou
como nos víamos, com mais honestidade, caráter ilibado. A síndrome do espelho
moderno é o da Madrasta da Branca de Neve: “espelho, espelho meu, existe alguém
mais bela do que eu?” Indivíduos que se pensam imortais, desconhecem o caminhar
pelo essencial, pela sensibilidade, volvidos para a azáfama insaciável de se
projetar no narcisismo, no supérfluo: dinheiro, poder, músculos... O engodo a
si mesmo. Um espelho para o nada, no qual os valores foram arremessados para
outro plano, a honra- que não vale mais que uma cesta básica, o respeito. Mas tem gente que não sabe o que é
isso, nunca vai sentir falta da integridade da imagem no espelho.
*Cristiane Lisita
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