quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A lei é dura (especialmente para alguns)

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No último ano, houve várias pessoas que me procuraram no escritório por causa de "multas" de trânsito que consideravam injustas e que justificavam com aquele argumento tão típico dos portugueses de que andavam a ser perseguidas pelas autoridades. E todas elas tinham uma história pessoal mal resolvida com o autuante, que seria a verdadeira razão da autuação.
Os portugueses, diga-se de passagem, são o povo mais parecido com os judeus, no que respeita a perseguições. São perseguidos por toda a gente: pela polícia, pelos tribunais, pelos árbitros, pelo patrão, pelos credores... Encarei, por isso, com naturalidade o facto de os autuados se queixarem de, também eles, andarem a ser perseguidos pelas autoridades.
Como todos sabemos, no que concerne às "multas" de trânsito, é extremamente difícil ao putativo infractor demonstrar a sua razão, uma vez que o auto faz fé em juízo, o que significa que cabe ao autuado (e não ao autuante) o ónus de provar que não cometeu a infracção, o que torna esta uma tarefa digna de Hércules.
Mas compreende-se que assim seja. Por um lado, a "multa" de trânsito não acarreta aquele desvalor social que arruína e destrói o bom nome, a consideração e a imagem pública de um cidadão, como acontece com o crime; por outro lado, a não ser assim, só passaria a ser sancionado por infringir o Código da Estrada quem quisesse, uma vez que o sistema seria incapaz de dar resposta às solicitações. Se, mesmo assim, já é o que é, imagine-se como seria se fosse ao contrário…
No entanto, este sistema pressupõe necessariamente que os agentes de autoridade sejam pessoas correctas e que não usem o distintivo para outros fins que não seja o de cumprir e fazer cumprir a lei, com isenção e bom senso. Ou seja, que não usem o distintivo, designadamente, para fazer retaliações ou justiça pelas próprias mãos.
Mas, então, qual era a infracção cometida por essas tais pessoas (várias) que alegavam que andavam a ser perseguidas pelos autuantes?
A infracção ao artigo 25.º do Código da Estrada que preceitua o seguinte: «Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade» à aproximação das passagens de peões, de escolas, hospitais, creches, de aglomerações de pessoas ou animais, nas localidades, nos troços em mau estado, nas descidas, etc.
Enfim, todos eles foram autuados porque não seguiam a "velocidade especialmente moderada". Não significa isto, note-se, que todos eles não seguissem a velocidade moderada, só que, segundo o olho clínico do autuante, a mesma não era especialmente moderada.
Ora, uma coisa parece, desde logo, evidente: deixar que o “especialmente” a que se refere o artigo 25.º do CE seja aferido “a olho”, segundo o critério altamente subjectivo do polícia, é escancarar a porta à arbitrariedade, na medida em que o “olho” do polícia não poderá deixar de ser influenciado, sobretudo nas terras pequenas, pelas relações pessoais que este vai criando com os diferentes condutores.
E a ser assim, só por pura hipocrisia poderíamos continuar a dizer que a lei é igual para todos. Porque uma lei aplicada a “olho” é sempre especialmente dura para uns e especialmente moderada para outros.
Maio de 2006

2 comentários:

  1. É inevitável que, num ou noutro caso, haja abuso de autoridade, mas o que vejo é que somos muito indisciplinados, no trânsito como em tudo... Na verdade, embora hoje conduza pouco, saio diariamente e é raro não ver infracções graves às regras. Tendo tido uma actividade profissional que implicava andar na estrada todos os dias, nunca paguei uma multa de trânsito. E fiz muito perto de um milhão de quilómetros, em carros meus e da empresa, e nunca tive razões de queixa das autoridades de trânsito.

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  2. Continuo a conduzir e vejo muitas infracções e cometo também muitas. Mas quem não erra? Mas, há cá cada artista!

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