sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Política criminal ou criminosa?

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No Porto, uma mulher de 76 anos foi acusada de furto por, alegadamente, se ter apropriado de um creme de beleza no valor de 3,99€. Logo, se levantou, a nível nacional, um coro de indignação geral, com foros de escândalo, que começou nos jornais e se estendeu a toda a população não pelo facto de a acusação ser infundada (como parece que é) mas pelo valor da coisa furtada.
Olhando assim à primeira vista, parece de facto incompreensível e até escandaloso que o Estado, em tempo de vacas magras, de apertos financeiros e de congestionamentos da justiça, se permita gastar dezenas de horas de trabalho e de euros num processo crime em que apenas está em causa um prejuízo de 3,99€ a uma grande superfície. Mais valia, nestes casos, o Estado pagar os 3,99€ ao ofendido e arquivar o processo. Ficava-lhe muito mais barato.
Esta é, no entanto, a forma de ver o problema pelas pessoas educadas num sociedade materialista e totalmente desprovida de valores em que a importância das acções se mede pelo valor dos objectos. Para esta gente, no furto de um anel ou de uma carteira, o grave não é o acto de furtar mas o preço do anel ou o dinheiro que a carteira contém. O processo-crime devia, assim, estar unicamente dependente do preço do anel e do dinheiro existente na carteira: se é de vidro ou tinha apenas moedas, arquive-se; se é de diamantes ou tinha muitas notas, acuse-se.
Ora, ao contrário do que, certamente, a maioria dos portugueses hoje pensa, num furto de 3,99€ o que está em causa não é o prejuízo dos 3,99€, absolutamente irrelevante, mas a acção de furtar. E se queremos criar uma sociedade de valores, temos de ser absolutamente implacáveis com estes comportamentos que, por serem passíveis de envolver um maior número de pessoas, têm a faculdade, precisamente, de destruir, corromper e subverter moralmente os valores em que devia assentar uma sociedade saudável.
Se queremos viver numa sociedade que respeite os bens alheios, os pequenos furtos têm de ter uma pena desproporcional ao seu valor. Nestes casos, ao contrário dos crimes mais graves, a prevenção geral deve-se sobrepor à prevenção especial. A pena tem de ser altamente dissuasora. O dinheiro gasto no combate aos pequenos focos de incêndio nunca é um mau investimento. Prevenir para não ter, mais tarde, de remediar. Como diz o povo, é de pequenino que se torce o pepino.
Acontece que o Governo incendiário socialista prepara-se, mais uma vez, para dar cumprimento às suas revolucionárias medidas reformadoras, liberalizando autenticamente os pequenos furtos. A partir de agora, quem quiser, vai dispor de um plafond diário para se abastecer, à conta da casa, nas grandes superfícies ou no pequeno comércio. Basta carregar o carrinho até aquele montante, colocar em sacos e depois “ó pernas para que te quero”. Se, por azar, for apanhado, basta devolver as coisas e pedir desculpa e voltar ao início da operação. Se toda a gente passar a fazer isto, não há seguranças que cheguem para apanhar toda a gente. Além disso, se for agarrado, ainda tem a possibilidade de apresentar queixa contra o agressor pelo facto de este lhe ter agarrado o braço ou rasgado a camisa. E com o dinheiro da indemnização, sempre se pode dar ao luxo de comprar algumas coisas sem ter necessidade de fugir.
Esta pode ser, aliás, uma das boas razões para as pessoas passarem a frequentar mais o pequeno comércio, sem dinheiro para contratar seguranças e onde, em regra, os comerciantes não têm agilidade nem fôlego para perseguir o ladrão.
Junho de 2007

1 comentário:

  1. Se os que têm as 3 refeições garantidas, pensassem um pouco mais a fundo sobre a sociedade em que muitos não têm, sequer, garantida uma, talvez não houvesse tanta necessidade dos roubos mesquinhos. Se queremos uma sociedade mais justa, e não estou a dizer perfeita, temos de ir ao encontro das necessidades dos nossos irmãos, porque, algumas vezes rouba-se um perfume ou um creme para vendê-lo ou para trocá-lo por pão, algumas vezes, talvez, para dar de comer aos filhos. Se houvesse lugares permanentes de oferta de comida aos necessitados os roubos não seriam tantos e a Justiça podiam preocupar-se com causas maiores. Para perceber os erros desta sociedade é preciso partir de novos observatórios e não nos únicos que esta sociedade nos oferece. Se continuamos no mesmo sentido óptico nada poderemos mudar, porque é preciso, e urgente, perceber que este tipo de organização social tem de ser profundamente alterado.

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