quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

HUMANISTAS...

                                      DA COMPLEXIDADE DO SER HUMANO
Ah, tantos humanistas que conheci! O humanista radical é amigo especialmente dos funcionários; o humanista dito de “esquerda” tem como preocupação principal a de conservar os valores humanos; não adere a nenhum partido para não traír o humano, mas as suas simpatias vão para os humildes. Em geral é viúvo e tem uns olhos sempre húmidos de lágrimas: nos aniversários chora; gosta também de gatos e cães.
O comunista gosta dos homens desde o segundo plano quinquenal: castiga porque ama; pudico, como todos os fortes, sabe esconder os seus sentimentos, mas sabe também, com um olhar, com uma inflexão da voz, fazer pressentir por trás das suas rudes palavras de justiceiro uma paixão ríspida e doce pelos seus irmãos.
O humanista católico, o que chegou atrasado, o benjamim, fala dos homens com um ar maravilhado. “Que belo conto de fadas” -diz ele- que é a vida mais humilde, a dum estivador, de uma operária que passa a vida a pespontar calçado!” Escolheu o humanismo dos anjos; escreve, para edificação dos anjos, longos romances tristes e belos.
São estes os papeis grandes, os principais; mas há outros, uma quantidade de outros: o filósofo humanista, que olha pelos seus irmãos como um irmão mais velho e que tem o sentido das responsabilidades: o humanista que ama os homens tais quais são; o que os ama tais como deviam ser; o que quer salvá-los com o seu consentimento, e o que decide salvá-los mesmo contra vontade deles; o que tenta criar mitos novos, e o que se contenta com os antigos; o que, no homem, ama a sua morte; o que, no homem, ama a sua vida; o humanista alegre, que traz sempre uma graça engatilhada; o humanista sombrio, que se encontra sobretudo em velórios. Odeiam-se todos uns aos outros: como indivíduos, evidentemente, não como homens.

NOTA – Texto respigado da obra de Jean-Paul Sartre – A NÁUSEA – transcrito

por Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Jean-Paul Sartre é um exemplo de integridade cívica e de sabedoria humana. Ao recusar o prémio Nobel não só deu uma lição de despojo material como de superioridade cívica. O nosso filósofo Agostinho da Silva, um pouco na sua esteira, também recusou a comenda da Ordem Liberdade imposta pela presidência da República. São pensadores desta estirpe que deviam ser estudados permanentemente, e seguidos, para se construir um mundo melhor.

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  2. Mas quem fala do nosso Agostinho da Silva? Milhões de portugueses nunca ouviram falar dele. Mas milhões pensam que sabem quem é o Marcelo Rebelo de Sousa e quejandos!

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