A VERDADEIRA
NOBREZA
O ser filho
de um homem ilustre não é o mesmo que ser ilustre. Poderá o abuso introduzir
que tenha, entre o povo, a mesma estimação do pai; mas, assim como este costume
não faz que ele tenha em si mesmo excelentes virtudes, assim também não faz que
seja verdadeiramente nobre. Consiste, pois, toda a nobreza deste homem em se
dizer que é filho de um homem nobre, e que se trata com mais fausto que os
outros.
Haverá outros que tenham tanto e mais dinheiro;
mas, porque não estão naquela opinião, não são nobres. O que, examinando bem, quer dizer que a dita
nobreza é uma pura opinião do povo. Dispa V.P. dos seus vestidos este Grande,
separe as carruagens e criados, e não poderá distingui-lo do homem mais ordinário
do povo. Onde, sem fausto, tem perdido toda a nobreza. E se, neste estado, o
transfere a outro país distante, não só não é nobre, mas é positivamente vil.
Mas não o
entendem assim muitos Grandes; pois estão tão persuadidos que a excelência é
propriedade da sua natureza, que, com esta opinião, colocam-se na primeira
esfera dos nobres; na segunda, põem os que tem cargos; na terceira, os que são
insignes pela virtude. Mas tudo é pelo contrário. Os homens insignes é que são
os verdadeiros nobres.
Se o nobre
soubesse que coisa é Virtude e como se adquire, conheceria que o nascimento não
tem influxo algum nela. Se um moço não tem talento para intender bem,
docilidade para receber os documentos, e boa educação, seja quem quer que for,
raríssima vez obrará bem; visto que ainda muitos, que a tiveram, obraram muito
mal, porque neles a malícia desfazia quanto produzia a educação.
Caio Calígula, Imperador, era de uma casa
ilustríssima; tinha sido bem educado; dera na mocidade indícios de boa índole;
contudo, saíu um tirano. Nero era de outra família ilustre. Quem teve melhor
educação que ele? Um filósofo tão grande como Séneca instruiu-o desde rapaz.
Deu ao princípio mostras de virtude, e não houve coisa mais bela que o primeiro
quinquénio do seu governo; mas, pouco depois, foi Nero. Que Imperador Romano
houve que tivesse as virtudes de Marco Aurélio? Quem instruiu melhor seu filho
Cómodo? E que filho saíu mais dessemelhante do pai? Não cito mais exemplos,
sendo que, para os ignorantes, ou bastam estes, ou são supérfluos.
Os
inteligentes sabem mui bem que o sangue do pai poderá comunicar ao filho alguma
enfermidade hereditária, mas de nenhum modo lhe comunica nem vícios nem
virtudes. Estes homens confundem as coisas e os termos. Quando se diz que um
homem procede como quem é, etç., quer dizer que, conhecendo que é filho ou
descendente de um homem ilustre pelas suas acções e virtudes, tem obrigação de
imitar os seus antepassados e exceder os inferiores tanto nas acções quanto os
excede no tratamento.
NOTA – Texto
compilado da obra de Luís António Verney – Verdadeiro Método de Estudar(Carta
XI) – Transcrito por Amândio G. Martins.
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