AUTORETRATO
Magro, de
olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de
facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no
meio, e não pequeno;
Incapaz de
assistir num só terreno,
Mais propenso
ao furor do que à ternura:
Bebendo em níveas
mãos, por taça escura,
De zelos
infernais letal veneno;
Devoto
incensador de mil deidades
(Digo, de
moças mil) num só momento,
E somente no
altar amando os frades,
Eis Bocage em
quem luz algum talento;
Saíram dele
mesmo estas verdades,
Num dia em
que se achou mais pachorrento.
…///…
Camões,
grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado
ao meu, quando os cotejo!
Igual causa
nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co´o
sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria
cruel no horror me vejo;
Como tu,
gostos vãos, que em vão desejo,
Também
carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio,
como tu, da Sorte dura
Meu fim
demando ao Céu, pela certeza
De que só
terei paz na sepultura.
Modelo meu tu
és, mas…oh, tristeza!...
Se te imito
nos transes da ventura,
Não te imito
nos dons da Natureza.
…///…
Já Bocage não
sou!... À cova escura
Meu estro vai
parar desfeito em vento…
Eu aos Céus
ultrajei! O meu tormento
Leve me torne
sempre a terra dura.
Conheço agora
já quão má figura
Em prosa e
verso fez meu louco intento.
Musa!...Tivera
algum merecimento,
Se um raio da
razão seguisse, pura!
Eu me
arrependo; a língua quase fria
Brade em alto
pregão à mocidade,
Que atrás do
som fantástico corria:
“Outro
Aretino fui…A santidade
Manchei…Oh!,
se me creste, gente ímpia,
Rasga meus
versos, crê na eternidade!”
NOTA – Poemas
de Manuel Maria De Barbosa Du Bocage –
1765-1805 - nos 250 anos do seu nascimento.
Transcrito
por Amândio G. Martins
Ao nosso amigo Amândio os meus Parabéns por nos trazer hoje, o poeta Bocage. uma feliz homenagem a este grande e irreverente poeta português e que foi segundo o que julgo saber tão maltratado pelo poder politico da época.
ResponderEliminarHoje seria a mesma coisa, senhor Arlindo, porque ele não suportaria este chafurdo nauseabundo...
ResponderEliminarDe acordo, caro Górgias.
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