terça-feira, 15 de setembro de 2015

INCONFORMADO

           AUTORETRATO
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
 Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura:
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.
                  …///…
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co´o sacrílego gigante;

 Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas…oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
                    …///…
Já Bocage não sou!... À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão má figura
Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!...Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

“Outro Aretino fui…A santidade
Manchei…Oh!, se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!”

NOTA – Poemas de Manuel Maria De Barbosa  Du Bocage – 1765-1805 -  nos 250 anos do seu nascimento.

Transcrito por Amândio G. Martins

3 comentários:

  1. Ao nosso amigo Amândio os meus Parabéns por nos trazer hoje, o poeta Bocage. uma feliz homenagem a este grande e irreverente poeta português e que foi segundo o que julgo saber tão maltratado pelo poder politico da época.

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  2. Hoje seria a mesma coisa, senhor Arlindo, porque ele não suportaria este chafurdo nauseabundo...

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