*Cristiane Lisita
A
indumentária estudantil em Portugal nos seus primórdios foi caracterizada pela
influência dos clérigos. Desde o século
XVI a veste representava um certificado honroso entre a categoria. Os demais alunos
buscavam estar de forma assemelhada àqueles, cujas fardagens se desdobravam até
o chão, tentando evitar olhares atentos. A batina, de cor negra, englobava a capa e a
túnica, transmitindo a abnegação ou altruísmo, a morte para o orbe terrestre. A
roupagem teria se consistido em legado que fora disseminado entre os estudantes,
conforme acontecia em Coimbra, desde 1718, lembrando que essa Universidade se
fixou definitivamente no local, em 1537.
Juízos
da Revolução Francesa e Iluminismo, no século XVIII, concebem, todavia, uma
espécie de movimento anticlerical, se manifestando na época pombalina, quando
da reforma da Universidade, em 1772. O liberalismo impregnou uma faceta mais leve
ao traje, induzindo a capa a um ideário de magia e heroísmo, não almejando os
próprios alunos abdicar de seu uso. Em 1907 tentou-se abolir as capas na
universidade, tendo-a como um dos motivos das greves estudantis, como se ela
criasse no inconsciente daqueles maiores poderes. A publicação
do Decreto nº 10.290/1924, procedeu na nacionalização da capa e batina nas
escolas e ensino superior como Traje Nacional do Estudante Português, claro,
que com as devidas adequações.
Todos
os anos, centenas e centenas dos Capa Negra se alçam em voo se desprendendo das
fitas coloridas das praxes, dos anos investidos no banco da faculdade, entre
lembranças dos dias, dos meses, dos anos em que se fazia necessário estar longe da
família encravada numa aldeia distante, ou quiçá de um momento em que um almoço ou jantar se teria
suprimido, pois o dinheiro não fora
suficiente. Mas também se lembrarão dos instantes em que compartilharam um
quarto com o amigo, que lhe estendera a mão no ombro quando preciso. Recordar-se-ão,
ainda, das noites não dormidas, do fado em regozijo em cada canto, em cada
serenata e das malas carregando sonhos, algumas poucas roupas, entre o trem da
estação e os sapatos avelhantados em direção aos becos.
Todos
os anos, centenas e centenas dos Capa Negra
se alçam em voo nas mantilhas passadas tantas vezes de geração em geração,
puídas pelo tempo, arquivando histórias e memórias, imbuídas de incontáveis
significados. A capa há de permanecer íntegra. Seus possuidores também. A
Queima das Fitas terá emancipado os calouros e marcado o fenecimento de uma
etapa estudantil para os veteranos. O voo dos
Capa Negra estará sempre no imaginário lusitano. Muito além das façanhas
do Batman, os Capa Negra voejam para um mercado de trabalho ínfimo e têm a
missão heroica de combater e afugentar os curingas que ambicionam a todo custo aniquilar a venerável
Golden City.
*Cristiane
Lisita é jornalista, advogada e escritora.
PUBLICADO EM 19.MAIO.2014 NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS.
A jornalista, escritora e advogada Cristiane Lisita trata o tema com todo o cuidado e é interessante trazê-lo à tona num momento que se discute e realizam praxes no meio universitário em diversos lugares do país. Quando escrevemos, muitas vezes, não reparamos que nos falta qualquer palavra ou outro elemento da escrita e, algumas vezes, por mais que voltemos a reler, lemos o que temos em mente e não precisamente o que escrevemos. Não querendo incomodar e esperando pela rectificação que não veio, chamo a atenção para o final do primeiro parágrafo, pois onde se lê Dom Dinis, deve ler-se Dom João III. Dom Dinis foi o fundador da Universidade, ao tempo denominada Estudo Geral, em 1290 e localizada em Lisboa, no Campo da Pedreira (bairro da Alfama) e em 1308 passou para a Alcáçova Real de Coimbra, onde existia uma capela dedicada a S. Miguel. O Estudo Geral voltou a Lisboa em 1338 e 1354 e a Coimbra entre 1354 e 1377. Fixou-se em Lisboa entre 1377 e 1537, assentando-se definitivamente em Coimbra a partir desta última data, por decreto real de D. João III, atendendo que Coimbra era mais adequada à reflexão e ao estudo. Espero que não me leve a mal esta pequena correcção, que apenas teve o intuito de rectificar um erro que, tenho a certeza, foi involuntário. Um abraço lusitano.
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