Artigo publicado no Jornal
Diário
da Manhã de Goiânia-Go Brasil - Caderno Opinião Pública- 20/02/2013
Ao assistir o
jogo de basquete feminino, entre o Brasil e Turquia, onde as jovens turcas com
roupas esportivas ousadas para os padrões da religião mulçumana e por ser estudioso
da pujança cultural e econômica daquele
país, me veio à mente a lembrança histórica do responsável direto por tudo
isto, trata-se, ao meu ver, do maior estadista de todos os tempos, que, através
de suas ousadas realizações, endereçou a Turquia da era medieval para moderna, me
refiro ao grande Mustafá Kemal, chamado de Atatürk (pai da Turquia), um feito considerado
maior do que Pedro, o grande, representou para Rússia.
Alguns fatos
aqui narrados, que apresentam divergências com a histografia tradicional, foram
baseados nos relatos do romance biográfico, “Em Nome da Princesa Morta”, da
jornalista investigativa, francesa de origem turca, Kenizé Mourad, filha de uma
das últimas princesas do extinto Império
Turco (Otomano). A credibilidade das informações partiu de elementos da própria
família imperial, portando, de testemunhas oculares da História.
A Turquia,
notadamente a cidade de Istambul (antiga Bizâncio e Constantinopla), sempre foi cobiçada pelos paises ocidentais,
desde o período grego (bizantino), passando pela era cristã (império romano) e
pelo domínio turco (império otomano), pela sua posição estratégica face ser
detentora dos chamados estreitos de Bósforo e Dardanelos.
O Bósforo
divide Istambul em duas, uma parte na Europa e outra na Ásia (única cidade no
mundo que possui esta característica), este estreito liga o Mar Negro ao
chamado Mar de Mármara. Lembrando que está em fase adiantada de construção um
túnel sob este estreito, ligando as duas partes da cidade, mesmo já existirem duas pontes na parte superior, tipo
pênsil, com aproximadamente mil metros de extensão .
Já Dardanelos
liga o Mar de Mármara ao Mar Egeu (banha a Turquia e Grécia), alcançando o Mar
Mediterrâneo e mais adiante o Oceano Atlântico, em Gibraltar.
Como se vê, sem
estas passagens o Mar Negro não teria acesso a nenhum oceano, onde se nota o
tremendo valor estratégico dos estreitos, estando explicado o porquê da cobiça internacional para controlá-los,
principalmente em época de guerra.
Não custa
relembrar aos historiadores que o descobrimento do Brasil deve-se em parte ao
Império Otomano, que ao inibir a navegação pelo Mediterrâneo, forçou os
portugueses a procurar alternativa para alcançar a Índia, vindo em conseqüência a nos descobrir.
A
trajetória de Kemal se confunde com a própria história da moderna Turquia,
pelas reformas profundas que implantou em seu país,
entre
os grandes líderes da história, poucos conseguiram tanto em tão curto período, transformando
a vida de uma nação de forma tão decisiva e dando inspiração tão profunda para
o mundo em geral.
Tudo
começando após o termino da 1ª guerra
mundial, na fria e enevoada manhã do dia
12/11/1918, quando 60 navios de guerra capitaneados pelos ingleses, vencedores
que foram da guerra (o império otomano era aliado dos alemães), invadiram a
cidade de Istambul, através do Dardanelos, ancorando a frota
no histórico Chifre de Ouro (braço europeu do estreito de Bósforo), com seus
canhões apontados para o palácio do sultão e para chamada Sublime Porta, nome que se dava à sede do governo.
Conta-se
que o Sultão, diante deste fato consumado tenha convocado Kemal, um dos seus
generais mais brilhantes, disponibilizando recursos, para que ele comandasse a
resistência aos invasores no interior do país, aproveitando a geografia
montanhosa da Anatólia, com quartel de
comando na cidade de Ancara (que veio a ser mais tarde a capital do
país).
Existem
outras versões para o fato acima, creio que
esta é a mais realista, por ser sido dado pela citada jornalista
francesa Kenizé Mourad, por relatos de familiares que viveu à época.
Para
agravar ainda mais a situação caótica por que passava a Turquia , o rei
Constantino da Grécia (arquiinimiga dos turcos), invadiu a cidade litorânea de Esmirna (que já pertenceu à Grécia) com
85.000 homens, visando anexar as cidades que outrora pertenciam ao império
bizantino, como a histórica Tróia e a
própria Istambul, jogando as tropas rumo a Ancara, tentando aniquilar o símbolo
da resistência turca.
Após
várias escaramuças, com altos e baixos nas batalhas, conseguiu as tropas
nacionalistas de Mustafá Kemal, expulsar os gregos e forçar os aliados
comandados pela Inglaterra a assinar o chamado acordo de Lousanne (27/07/1923), onde a Turquia perdeu seu império nos bálcãs,
oriente médio e norte da África, mas em contrapartida ,se constituindo em uma
nação livre e autônoma, com pleno domínio da cidade de Istambul, da península
da Anatólia e dos estreitos, com a ressalva de que nesses, ficava proibido o
uso de navios de guerra.
Segundo
a já citada jornalista Kanizé Mourad, Kemal teria recebido ajuda em dinheiro e
armas da recém formada União Soviética e secretamente da própria França, descontente
que estava com a Inglaterra, sua aliada,
por esta ter ficado com a parte mais rica do Império Otomano, principalmente do
Iraque com todo seu petróleo.
O
apoio dado pela União Soviética visava
no futuro o controle ou facilidade ao acesso nos estreitos, por lhe ser vital,
pois o grosso de seu poder naval estava no Mar Negro, precisava, portanto, de saída
para o Mediterrâneo e Atlântico. Já os Ingleses, com receio das passagens caírem
em mãos soviéticas, apressaram em chegar a um acordo de paz (Lousanne),
mantendo os estreitos com os turcos, com plena permissão para embarcações comerciais.
Após
ter conseguido salvar o país (nestas alturas, o império otomano já não mais
existia), emergiu o general Kemal como grande herói, e nesta condição tinha o
controle da assembléia nacional e das forças armadas, onde pôde proclamar a república
e implantar reformas corajosas, que colocam o seu país no patamar que hoje se
encontra.
Consta
que parte da reformas introduzidas na Turquia deveu-se à influência de sua
esposa, Latifé Hanoun (Hanim), mulher muito bonita e com formação em Direito em
Paris e Londres, apesar do casamento ter durado pouco mais de 2 anos. O
divorcio foi feito em condições misteriosas, até hoje não explicado, penso que
pode ter sido causado pelo seu temperamento
boêmio, extremamente mulherengo e exímio dançarino (apreciador de valsas), com freqüência garantida em festas na cidade de Ancara, com agravante de
ter sido consumidor inveterado de bebidas alcoólicas.
Passaremos
agora a declinar as reformas que este líder deixou para seus concidadãos,
tornando-o imortal na concepção de seu
povo:
·
Extinção do sultanato e posteriormente do
califado (03/03/1924), dando prazo de 3 dias para que a família real deixasse a
Turquia, incluindo príncipes e princesas e descendentes diretos, ressaltando,
que seus opositores, alegam que esta medida, em parte, foi motivada pela mágoa antiga que ele guardava do Sultão, por lhe
ter sido negado casamento com uma de suas filhas.
·
Decretou que o
alfabeto árabe, milenarmente usado no país, deveria ser substituído por um
latino modificado (mantendo a língua turca), que era mais fácil de aprender e
de ensinar e que tornava a publicação mais fácil. Todos os cidadãos desde os 6
aos 40 anos de idade foram obrigados a frequentar a escola e aprender o novo
alfabeto. A língua turca foi "purificada" pela remoção de muitas palavras
do árabe e do persa e substituição por novas palavras turcas. Desde então, o
árabe foi usada somente para assuntos religiosos (islâmicos), pois o Alcorão é
escrito em árabe.
·
O Alcorão foi traduzido para nova grafia turca,
contrariando as autoridades religiosas, e do próprio Alcorão, que proíbe o seu
uso em qualquer língua que não seja a
árabe.
·
Num gesto
particularmente marcante, Kemal passou a considerar o “Fez” (chapéu típico
otomano) como um símbolo de feudalismo e baniu-o. Atatürk passou a usar
vestimentas em estilo ocidental, insistindo para que todos os turcos fizessem o
mesmo. O véu para as mulheres foi banido, e elas foram encorajadas a usar vestimentas
ocidentais, participar do mercado de trabalho e de escolas mistas.
·
Estabeleceu o direito das mulheres em participar
de eleições, votando e sendo votadas,
ressaltando, que nesta época muitos paises da Europa, da parte dita
civilizada, ainda não tinha adotado esta medida.
·
Apesar da proibição islâmica contra bebidas
alcoólicas, foi incentivada a sua produção, com a implantação de uma indústria estatal de
álcool, não havendo segredo do seu grande apreço pela forte bebida nacional, chamada
“raki” (similar a nossa cachaça ou a vodca
russa).
·
A representação visual de formas humanas, que
havia sido banida durante os tempos do Império Otomano, de acordo com
interpretações da fé islâmica, voltou a florescer; Kemal abriu novas escolas
para o ensino de arte (para homens e mulheres).
·
A separação da religião do Estado, tornando-o
laico, foi um dos legados mais duradouros
de Kemal. A sua campanha pela secularização e a ocidentalização que ele impôs à
nação turca, não tem precedentes na historia da humanidade . Os julgamentos
religiosos foram proibidos, e
suas leis foram substituídas por um
código baseado no da Suíça,
com influências do código penal italiano e do código comercial alemão.
·
Reformas muito importantes e criativas, foram implementadas na área econômica, com
reflexos positivos até nos dias atuais.
Estas
reformas que parecem simples foram introduzidas em um povo grandemente
influenciado por crenças religiosas milenares, daí se nota a grande
determinação e persistência deste grande líder, que não cansava em afirmar: “Eu olho para
o mundo com o coração aberto, cheio de sentimentos puros e amizade”.
Infelizmente
para a Turquia e mesmo para o mundo, este líder veio a falecer precocemente em
plena fase produtiva de sua vida, aos 57 anos, com o dever cumprido para com o
seu povo e sua pátria, acometido de
cirrose hepática, fruto das desgastantes participações em várias e memoráveis
batalhas no cenário da resistência nacionalista e pelo
seu hábito de ter sido consumidor, desde a sua juventude, de fortes bebidas alcoolizadas, agravado pelo seu contumaz uso do tabaco.
Orivaldo Jorge de Araújo
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.