Neste país / mundo em que vivemos, cada vez mais
desumanizado, comandado por mercados e agências de rating sem rosto, já quase
ninguém se admira das enormidades que nos entram pela casa a dentro diariamente.
Quase ninguém…talvez não esteja muito enganada, mas a mim
incomoda-me, tira-me o sono e o apetite, consomem-me a alma e revolta-me, por
isso não consigo ficar calada. Tenho consciência de que mais uma vez estarei a
malhar em ferro frio e que o que vou dizer, poderá “sensibilizar” uns quantos durante
breves segundos, fazer parar para pensar uns outros durante um minutos e depois
“a vida” seguirá o seu incontornável percurso de destruição do pouco de humano
que ainda existe em nós, porque “não podemos fazer nada” para alterar estes “tristes
casos”.
Mas a verdade é que podemos…se quisermos podemos, mas para
isso os idosos, ou séniores como prefiro chamar-lhes terão que ser visto como
uma mais-valia para a sociedade e não como um fardo; os “cuidadores” que se “excedem”
têm que ser exemplarmente punidos e cada um de nós tem que ser um vigilante/
denunciante ativo desta barbárie que grassa no meu país.
Não vou fazer uma listagem dos milhares de casos já conhecidos
e sinalizados este ano, mas apenas a estes dois últimos que foram noticiados e
que pelo “requinte” de malvadez associado, precisam, talvez atrevo-me a dizer,
uma especial atenção.
Quem, a não ser que esteja mentalmente muito doente, rega uma
idosa com álcool e lhe lança o fogo de seguida, deixando-a entregue a uma morte
horrenda , sentada no sofá onde certamente passava os dias e quiçá as noites?
Quem, a não ser que esteja mentalmente muito doente ou seja
muito mal formado, deixa uma idosa de 102 anos e viver no meio dos animais
domésticos, como se de mais um deles se tratasse? ( Sem ironia , atrevo-me a
dizer, que não fora o facto da senhora ter 102 anos e estarmos em pleno inverno,
certamente a companhia que teria seria bem mais afectuosa do que a que teria
dentro do lar dos seus cuidadores, mas o facto em si , não deixa de ser
profundamente chocante).
Estes dois casos demonstram de forma exemplar o quanto a
nossa sociedade está doente e como a inversão de valores causado pela voragem
dos mercados que nos regulam a vida e o Ser, nos está a transformar em monstros.
Mas eu não quero e não posso aceitar que coisas destas se passem todos os dias
e que isso seja considerado normal ou contingências das dificuldades da vida.
Não posso e não quero deixar que casos destes sejam apenas
notícia de abertura de telejornais e que os privilegiados que têm casa e jantar
para comer, continuem a fazê-lo sem que comida se lhes enrole na boca, como se
estivessem a ver a Casa dos Segredos em versão macabra.
Dir-me-ão alguns, como já ouvi dizer: mas isto sempre se
passou em Portugal e no mundo e agora só é noticia porque as televisões andam à
cata de notícias para “entalar” o Governo. E eu respondo: Não é porque sempre
se passou que passa a ser “normal”. Coisa mais triste a indiferença e a desumanidade
que grassa no mundo como erva daninha. Revolta-me tanto a leveza como tanta
gente encara estes crimes e a incapacidade de verem para além do óbvio.
Porque, que ninguém tenha dúvidas, não é só de maus tratos a
idosos que estes casos retratam. É também e sobretudo, direi, sobre o efémero e
descartável valor da vida, sobre a perenidade dos afectos e sobre a escassez de
amor que a “crise e a “austeridade” ajudou a matar. E, obviamente a culpa não é
apenas do Governo, mas não podemos negar que as políticas e as prioridades no
combate à crise potenciaram este crescendo de desumanização e insensibilidade
social.
Não sei se ainda vamos a tempo, mas enquanto tiver vida,
saúde e filhos moralmente bem formados, que como eu se revoltam com notícias
destas, não me demitirei da minha responsabilidade de denunciar, mas sobretudo
de apelar a uma mudança de políticas e que a Pessoa seja o centro de tudo e não
o apêndice, porque só assim poderemos fazer alguma coisa para inverter esta
crueza nas relações humanas que permite que tais enormidades aconteçam.
Ah, e não nos esqueçamos…todos.
A cada dia que passa não vamos ficando mais novos – um dia
pode tocar-nos a nós.
Dignidade…afinal é apenas disso que falo ; será pedir muito ?
Permitam-me um último desabafo – quando vejo coisas destas na
supostamente “desenvolvida Europa” de que fazemos parte e que gira em torno da
materialidade e do consumo, fico cada vez mais com a certeza que temos tanto a
aprender com alguns povos ditos subdesenvolvidos, onde a idade é reverenciada e
o cerne da cultura, dos afectos, da cidadania e da organização social. Opinião
polémica…talvez, mas creio, modestamente, com matéria para reflexão.
Cara Graça,
ResponderEliminarÉ compreensível a sua indignação mas enquanto houver humanidade haverá bem e mal; ações boas e ações más. O que acontece é que os jornais e televisões só mostram as más. É meu convencimento que se o mundo fosse assim, só com coisas más, já teria acabado. Felizmente acho que as boas são muito superiores , tanto em qualidade como em quantidade. E é por isto que ainda aqui estamos e o mundo dos homens ainda existe. Não desespere. Esteja atenta ao bem que faz e que se faz e vai ver que vive menos angustiada.
Abraço.
Obrigada pelo seu contributo meu caro colega.
ResponderEliminarse lhe pareceu que vivo angustiada, ou fui eu que não me soube expressar ou interpretou menos bem o meu desabafo e a minha revolta ( revolta, não angustia ).
Não partilho da sua bonomia acerca da natureza humana - acho mesmo que o ser humano é o maior predador do planeta e dos poucos que mata por prazer, o que não abona muito a nosso favor. Obviamente existem muitas pessoas boas e também quero acreditar que sejam em numero superior aos "outros", mas não deixa de ser muito preocupante a escalada de violência física e psicológica a que vamos assistindo - acredite que sei do que falo, talvez pela profissão que tenho e pelas realidades com que lido diariamente.
Viveria certamente mais "feliz" se me abstraísse destas coisas, mas não posso, nem quero ter uma pedra no meio do peito - o que sinto é o que me alimenta e se o alimento amarga, tenho que fazer o que estiver ao meu alcance para me melhorar o sabor.
É isso que tento todos os dias...e acredite, sem angustia.
Bem haja.
Abraço
Infelizmente estas situações, que envergonham qualquer ser humano, são notícia que esquece com facilidade. A maioria das pessoas são insensíveis porque a sociedade assim as tem formatado. A miséria que passa ao nosso lado, com o passar do tempo, torna-nos indiferentes, porque,os nossos próprios problemas, que nos afligem permanentemente, ocupam o tempo todo. A sociedade tornou-se egoísta e valoriza quem tem sucesso, ainda que esse seja conseguido de forma muito duvidosa. É o mundo que criámos e que caminha para a desintegração como sociedade.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarCaro Joaquim, pois a mim, enquanto tiver força e voz não me vou tornar indiferente e vou continuar a denunciar. O que nos deveris difrenciar dos outros animais deveria ser a capacidade de nos emocionarmos e com isso impulsionarmos a acção. Inffelizmente , como diz e be, as soiedades formataramse de tal forma de fomentam cada vez mais a desumanização e a indferença. Cabe aos que ainda não se conformaram, ser a força motri da mudança. Não é facil, mas é imprecindivel.
ResponderEliminarCaro Joaquim, pois a mim, enquanto tiver força e voz não me vou tornar indiferente e vou continuar a denunciar. O que nos deveris difrenciar dos outros animais deveria ser a capacidade de nos emocionarmos e com isso impulsionarmos a acção. Inffelizmente , como diz e be, as soiedades formataramse de tal forma de fomentam cada vez mais a desumanização e a indferença. Cabe aos que ainda não se conformaram, ser a força motri da mudança. Não é facil, mas é imprecindivel.
ResponderEliminarConcordo com o que diz. O que eu queria dizer, embora não o tenha exprimido convenientemente, é que os cidadãos, duma maneira geral, estão desinteressados dos problemas dos seus semelhantes, porque a sociedade assim os formata. Não era, nem é, o meu caso, porque continuo a lutar contra toda esta adversidade que está implantada, ainda que não tenha muita fé de que isto se altere nos tempos mais próximos. As civilizações não são eternas e dão lugar a outras, que também terão um tempo determinado de permanência.
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