quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

102 anos ou a Dignidade de Viver


Neste país / mundo em que vivemos, cada vez mais desumanizado, comandado por mercados e agências de rating sem rosto, já quase ninguém se admira das enormidades que nos entram pela casa a dentro diariamente.

Quase ninguém…talvez não esteja muito enganada, mas a mim incomoda-me, tira-me o sono e o apetite, consomem-me a alma e revolta-me, por isso não consigo ficar calada. Tenho consciência de que mais uma vez estarei a malhar em ferro frio e que o que vou dizer, poderá “sensibilizar” uns quantos durante breves segundos, fazer parar para pensar uns outros durante um minutos e depois “a vida” seguirá o seu incontornável percurso de destruição do pouco de humano que ainda existe em nós, porque “não podemos fazer nada” para alterar estes “tristes casos”.

Mas a verdade é que podemos…se quisermos podemos, mas para isso os idosos, ou séniores como prefiro chamar-lhes terão que ser visto como uma mais-valia para a sociedade e não como um fardo; os “cuidadores” que se “excedem” têm que ser exemplarmente punidos e cada um de nós tem que ser um vigilante/ denunciante ativo desta barbárie que grassa no meu país.

Não vou fazer uma listagem dos milhares de casos já conhecidos e sinalizados este ano, mas apenas a estes dois últimos que foram noticiados e que pelo “requinte” de malvadez associado, precisam, talvez atrevo-me a dizer, uma especial atenção.

Quem, a não ser que esteja mentalmente muito doente, rega uma idosa com álcool e lhe lança o fogo de seguida, deixando-a entregue a uma morte horrenda , sentada no sofá onde certamente passava os dias e quiçá as noites?
Quem, a não ser que esteja mentalmente muito doente ou seja muito mal formado, deixa uma idosa de 102 anos e viver no meio dos animais domésticos, como se de mais um deles se tratasse? ( Sem ironia , atrevo-me a dizer, que não fora o facto da senhora ter 102 anos e estarmos em pleno inverno, certamente a companhia que teria seria bem mais afectuosa do que a que teria dentro do lar dos seus cuidadores, mas o facto em si , não deixa de ser profundamente chocante).

Estes dois casos demonstram de forma exemplar o quanto a nossa sociedade está doente e como a inversão de valores causado pela voragem dos mercados que nos regulam a vida e o Ser, nos está a transformar em monstros. Mas eu não quero e não posso aceitar que coisas destas se passem todos os dias e que isso seja considerado normal ou contingências das dificuldades da vida.
Não posso e não quero deixar que casos destes sejam apenas notícia de abertura de telejornais e que os privilegiados que têm casa e jantar para comer, continuem a fazê-lo sem que comida se lhes enrole na boca, como se estivessem a ver a Casa dos Segredos em versão macabra.

Dir-me-ão alguns, como já ouvi dizer: mas isto sempre se passou em Portugal e no mundo e agora só é noticia porque as televisões andam à cata de notícias para “entalar” o Governo. E eu respondo: Não é porque sempre se passou que passa a ser “normal”. Coisa mais triste a indiferença e a desumanidade que grassa no mundo como erva daninha. Revolta-me tanto a leveza como tanta gente encara estes crimes e a incapacidade de verem para além do óbvio.

Porque, que ninguém tenha dúvidas, não é só de maus tratos a idosos que estes casos retratam. É também e sobretudo, direi, sobre o efémero e descartável valor da vida, sobre a perenidade dos afectos e sobre a escassez de amor que a “crise e a “austeridade” ajudou a matar. E, obviamente a culpa não é apenas do Governo, mas não podemos negar que as políticas e as prioridades no combate à crise potenciaram este crescendo de desumanização e insensibilidade social.

Não sei se ainda vamos a tempo, mas enquanto tiver vida, saúde e filhos moralmente bem formados, que como eu se revoltam com notícias destas, não me demitirei da minha responsabilidade de denunciar, mas sobretudo de apelar a uma mudança de políticas e que a Pessoa seja o centro de tudo e não o apêndice, porque só assim poderemos fazer alguma coisa para inverter esta crueza nas relações humanas que permite que tais enormidades aconteçam.

Ah, e não nos esqueçamos…todos.
A cada dia que passa não vamos ficando mais novos – um dia pode tocar-nos a nós.

Dignidade…afinal é apenas disso que falo ; será pedir muito ?

Permitam-me um último desabafo – quando vejo coisas destas na supostamente “desenvolvida Europa” de que fazemos parte e que gira em torno da materialidade e do consumo, fico cada vez mais com a certeza que temos tanto a aprender com alguns povos ditos subdesenvolvidos, onde a idade é reverenciada e o cerne da cultura, dos afectos, da cidadania e da organização social. Opinião polémica…talvez, mas creio, modestamente, com matéria para reflexão.


7 comentários:

  1. Cara Graça,
    É compreensível a sua indignação mas enquanto houver humanidade haverá bem e mal; ações boas e ações más. O que acontece é que os jornais e televisões só mostram as más. É meu convencimento que se o mundo fosse assim, só com coisas más, já teria acabado. Felizmente acho que as boas são muito superiores , tanto em qualidade como em quantidade. E é por isto que ainda aqui estamos e o mundo dos homens ainda existe. Não desespere. Esteja atenta ao bem que faz e que se faz e vai ver que vive menos angustiada.
    Abraço.

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  2. Obrigada pelo seu contributo meu caro colega.
    se lhe pareceu que vivo angustiada, ou fui eu que não me soube expressar ou interpretou menos bem o meu desabafo e a minha revolta ( revolta, não angustia ).
    Não partilho da sua bonomia acerca da natureza humana - acho mesmo que o ser humano é o maior predador do planeta e dos poucos que mata por prazer, o que não abona muito a nosso favor. Obviamente existem muitas pessoas boas e também quero acreditar que sejam em numero superior aos "outros", mas não deixa de ser muito preocupante a escalada de violência física e psicológica a que vamos assistindo - acredite que sei do que falo, talvez pela profissão que tenho e pelas realidades com que lido diariamente.
    Viveria certamente mais "feliz" se me abstraísse destas coisas, mas não posso, nem quero ter uma pedra no meio do peito - o que sinto é o que me alimenta e se o alimento amarga, tenho que fazer o que estiver ao meu alcance para me melhorar o sabor.
    É isso que tento todos os dias...e acredite, sem angustia.
    Bem haja.
    Abraço

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  3. Infelizmente estas situações, que envergonham qualquer ser humano, são notícia que esquece com facilidade. A maioria das pessoas são insensíveis porque a sociedade assim as tem formatado. A miséria que passa ao nosso lado, com o passar do tempo, torna-nos indiferentes, porque,os nossos próprios problemas, que nos afligem permanentemente, ocupam o tempo todo. A sociedade tornou-se egoísta e valoriza quem tem sucesso, ainda que esse seja conseguido de forma muito duvidosa. É o mundo que criámos e que caminha para a desintegração como sociedade.

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  4. Caro Joaquim, pois a mim, enquanto tiver força e voz não me vou tornar indiferente e vou continuar a denunciar. O que nos deveris difrenciar dos outros animais deveria ser a capacidade de nos emocionarmos e com isso impulsionarmos a acção. Inffelizmente , como diz e be, as soiedades formataramse de tal forma de fomentam cada vez mais a desumanização e a indferença. Cabe aos que ainda não se conformaram, ser a força motri da mudança. Não é facil, mas é imprecindivel.

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  5. Caro Joaquim, pois a mim, enquanto tiver força e voz não me vou tornar indiferente e vou continuar a denunciar. O que nos deveris difrenciar dos outros animais deveria ser a capacidade de nos emocionarmos e com isso impulsionarmos a acção. Inffelizmente , como diz e be, as soiedades formataramse de tal forma de fomentam cada vez mais a desumanização e a indferença. Cabe aos que ainda não se conformaram, ser a força motri da mudança. Não é facil, mas é imprecindivel.

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  6. Concordo com o que diz. O que eu queria dizer, embora não o tenha exprimido convenientemente, é que os cidadãos, duma maneira geral, estão desinteressados dos problemas dos seus semelhantes, porque a sociedade assim os formata. Não era, nem é, o meu caso, porque continuo a lutar contra toda esta adversidade que está implantada, ainda que não tenha muita fé de que isto se altere nos tempos mais próximos. As civilizações não são eternas e dão lugar a outras, que também terão um tempo determinado de permanência.

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