Entre os cupins e os homens
*Cristiane
Lisita
Og Francisco Leme, em sua obra Entre os cupins e os homens (1988) escreve
que o homem é um ser dual, egoísta, procura incansavelmente seus próprios
interesses. E que ser liberal significa poder conduzir sua liberdade, suas
escolhas. A iniquidade do altruísmo seria “a violação da própria condição
humana, pois nega ao homem a busca de si mesmo”. Ele entende que o
individualismo, na sua espontaneidade é “um gerador mais eficaz de sinergia do
que o coletivismo”. Enquanto os insetos se desejariam livres, alguns homens estariam
na azáfama da utopia, de não ser um fim em si mesmo, mas um ensejo em prol do
bem comum.
Mas há um tempo em que é preciso
seguir a lição dos cupins: repudiar o exoesqueleto para consentir crescer.
Aquelas carapaças pequenas que já não servem, devem ficar pra trás e permitir
acelerar a marcha. Os cupins saem de suas tocas na aurora ou ao crepúsculo
escapando da ardência e do fulgor solar, para que seus corpos frágeis não se
esbraseiem. É simples o exemplo deles.
Não se comprazem nas vaidades: essa elipse heliocêntrica viciosa.
Protegem uns aos outros. Erigem a colônia em silencio, lhe são fiéis. E todos
processam a colheita.
Os cupins removem a água e o limo das
profundezas da terra, num afazer organizado e rápido gerindo o fluxo de gás das
câmaras, ventilando o cupinzeiro. As fendas altas sugam a aragem pra baixo,
afrescando o lugar. Os cupins sabem que
vivem em sociedade e que sozinhos nada são. Suas finas antenas captam as
torrentes de ar e o perigo. Após reproduzirem, voejam pra além, arquitetam
novas colônias, perpetuam em paz a sua espécie. E do que lhes foi útil, nada
aniquilou.
Há um momento em que, como os cupins,
é forçoso repudiar o exoesqueleto para crescer. Aceitar o corpo inventar o
movimento, ainda que descontrolado, entre quedas e planuras. E despertar a alma
encerrada nas encanecidas dores e angústias, esquecendo todas as sombras que se
agigantaram debaixo do sol, quando o peso da carcaça agrilhoava. Como os
cupins, é necessário revolver o mais denso, o cerne e entender a brevidade da
espinha do tempo sobre o alento da existência.
Cantava Mário de Andrade em versos:
“(…) quero viver ao lado de gente humana, muito humana: que sabe rir dos
tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O
essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial”.
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