Cada povo amarga a sua história...
Visto à distância de sessenta anos, uma época a que hoje
facilmente chamamos de fascismo, a opressão que, numa aldeia como a minha, as
pessoas realmente sentiam era aquela imposta pelo calendário das tarefas agrícolas
para garantir a subsistência: lavrar, semear/plantar, cultivar e colher, cuidar
dos animais e observar os preceitos religiosos; estes, de facto, eram
alegremente cumpridos, funcionando como desejada libertação das duras tarefas
da semana, em que se deixavam de lado os andrajos diários e se vestia a “roupa
nova” para ir à missa, de manhã, e ao terço a meio da tarde, que era facultativo, depois do que a
juventude ficava livre para um bailarico ao som da concertina, logo que o padre se afastasse porque, para ele, rapazes e raparigas a dançar juntos
soava-lhe a tentação do demónio.
As pessoas observavam as práticas religiosas a que a si
próprias se obrigavam, mas havia dois
personagens que ninguém via assistir às cerimónias do culto - embora toda a familia fosse assídua - que eram o célebre “25”, famoso pastor/cabreiro,
que tinha a desculpa de ter de vigiar o rebanho, e o velho Cabral, um lavrador
cuja descendência era praticante, mas ele não queria nada com
religiões, o que lhe dava uma aura de pessoa rara; quando o fim se aproximava,
ainda tentaram que recebesse os últimos sacramentos, que recusou sempre,
tendo como consequência a nega do padre acompanhar o funeral que, de resto,
ele também tinha dito à família que não queria.
Isto para dizer que as populações sempre souberam
organizar-se, se entreajudavam nas tarefas que requeriam mais braços, e viviam
razoavelmente felizes num tempo em que não beneficiavam de nada por parte do
Estado; quando alguém adoecia dizia-se que era um “andaço” e esperava-se que “andasse”,
e quando a maleita era mesmo de morte, morria-se e pronto, porque o padre era
mais acessível que o médico; os grandes atrasos de vida das populações entregues
à sua sorte acontecem quando os governos, não ajudando, ainda criam problemas
suplementares, como impor aos povos leis estúpidas.
Em El Salvador, uma rapariga que foi violada, engravidou do
acto e foi impedida de abortar; tendo um parto prematuro, em que a criança
nasceu morta, responsabilizaram-na por isso e condenaram-na a trinta anos de
cadeia, pena que acabou por ser anulada porque outro juíz entendeu não haver
provas suficientes; apesar de a autópsia demonstrar que não houve aborto
provocado, revelando uma grave infecção que provocou a morte do bebé, os procuradores
insistem que foi ela a responsável e querem repetir o julgamento! Mala suerte,
rapariga...
Amândio G. Martins
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