Este blogue foi criado em Janeiro de 2013, com o objectivo de reunir o maior número possível de leitores-escritores de cartas para jornais (cidadãos que enviam as suas cartas para os diferentes Espaços do Leitor). Ao visitante deste blogue, ainda não credenciado, que pretenda publicar aqui os seus textos, convidamo-lo a manifestar essa vontade em e-mail para: rodriguess.vozdagirafa@gmail.com. A resposta será rápida.
quinta-feira, 1 de agosto de 2019
Como eu gostaria de o ter escrito!
Nacionalidade Linguística
Amo o meu país, mas não tenho nem espírito patriótico nem orgulho nacional algum. De resto digiro mal a pizza, consumo muito pouco esparguete, não falo alto, não gesticulo, odeio todas as máfias, não exclamo Mamma mia.Os caracteres nacionais parecem-me simplificações a combater. Para mim ser italiana esgota-se no facto de falar e escrever em língua italiana. Dito assim parece pouco, mas é realmente muitíssimo. Uma língua é um compêndio de História e Geografia, de vida material e espiritual, de vícios e virtudes não só de quem a fala, mas também de quem a falou ao longo dos séculos. As palavras, a gramática, a sintaxe, são um cinzel que esculpe o pensamento. Para já não falarmos da tradição literária, extraordinária refinaria da experiência em bruto em actividade há séculos e séculos, reservatório de inteligência e de técnicas expressivas, que me orgulho de ter por origem e que me formou. Por isso, quando digo que sou italiana porque escrevo em italiano quero dizer que o sou plenamente e ao mesmo tempo que estou disposta a atribuir-me uma nacionalidade. Os outros termos não me agradam ou assustam-me, sobretudo quando se tornam nacionalismo, chauvinismo, imperialismo e se servem ignobilmente da língua ou para se barricarem cultivando uma pureza tão inútil como impossível, ou impondo-a por meio de um poder económico abusivo e por meio de armas. Trata-se de um mal que aconteceu, acontece e acontecerá e que tende a anular as diferenças e por isso nos empobrece a todos. Prefiro a nacionalidade linguística como ponto de partida para dialogar, enquanto esforço visando o limite, olhar para lá das fronteiras, para lá de todas as fronteiras, para lá das de género antes do mais. Por isso, os meus únicos herois são as tradutoras, os tradutores ( adoro os bons conhecedores da arte da tradução simultânea) . Amo-os em particular quando são também leitores obstinados e propõem traduções. Graças a eles a italianidade corre o mundo enriquecendo-o e o mundo com as suas muitas línguas atravessa a italianidade, modifica-a. Aqueles que traduzem transportam nações para o interior de outras nações, são os primeiros a contactar com modos de sentir distantes. Até mesmo os seus erros são testemunhos de um esforço positivo. A tradução é a nossa salvação, faz-nos sair do poço dentro do qual completamente por acaso acabámos por nascer. Sou portanto italiana absolutament e com orgulho. Mas, se pudesse, mergulharia em todas as línguas e deixaria que todas elas me atravessassem. Até mesmo o Google Translator, com toda a sua longa lista de línguas de partida e de chegada, me conforta. Podemos ser muito mais do que nos calhou ser.
Elena Ferrante, 3 de março de 2018
Notas finais: respeitei integralmente a pontuação do tradutor, Miguel Serras Pereira. Esperando não ter cometido nenhuma ilegalidade, a minha devida vénia à autora, à editora, ao tradutor, ao ilustrador Andrea Ucini e.... terminar dizendo que, não sendo meu, este "post" é dos que me deu maior prazer em colocar aqui no blogue!
Fernando Cardoso Rodrigues
1 comentário:
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Capta-se bem e é excelente o que a autora quis transmitir...
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