sábado, 5 de setembro de 2015

CHAVÕES

                                            J. CHAVÃO
Ao horóscopo, à coluna do vaivém festivo de umas quantas enexistências que gostam de trazer vestidos vinte salários mínimos nacionais, aos “descubra as diferenças” e aos obituários, prefiro esse outro produto jornalístico – repetitivo, circular e recorrente que é a entrevista ritual com J. Chavão, pretoriano da banalidade e estrénuo defensor do bem comum.
J. Chavão não é um homem, mas um tipo. E, no limite do que eu posso pedir à vida, talvez mesmo um mutante com futuro. Escolheu a generosa especialidade das ideias gerais e foge do opinativo pessoal como o diabo da cruz. Prevê a mais ingrata das meteorologias, que é o seu subjectíssimo destino, em regra no deslumbrante horizonte estratégico das próximas quarenta e oito horas; e como a sanção política fustiga o erro pelo gélido código dos hunos de outrora, vai sempre a tempo de mudar e desmentir o que fez ou o que disse. Ponto é que o patrão não tenha o tempo nem sinta a necessidade de o desmentir na praça pública: pois com as humilhações de gabinete pode ele bem, já que o único e verdadeiro perigo é a reprimenda à luz do dia.
Do calvário da aventura de vida que escolheu, faz parte em maior ou menor grau a exposição prudente à Imprensa.. É uma técnica dúctil, mais virada para não fazer notícia do que o arriscado contrário.Tomemos um exemplo entre mil de uma raivosa alcateia de plumitivos cercando e entrevistando J. Chavão.
Jornalistas – Quero perguntar-lhe, primeiro, como explica o seu actual apego à democracia. Afinal, no “Século” de 12 de Novembro de 1966, V. elogiava o “venerando Chefe do Estado”, justificava a eleição indirecta e deprezada do mesmo, crismava de “bandoleiros vendidos a Moscovo” os estudantes e oposicionistas e classificava o regime de “paraízo da paz”, “democracia orgânica” e “objecto da inveja do mundo”…
J. Chavão – Ora ainda bem que me faz essa pergunta, pois dá-me a oportunidade de esclarecer de uma vez por todas certos mal-entendidos que circulam a meu respeito. Como sabe, naquele tempo a Imprensa era manipulada. Mais até, totalmente controlada pela censura. Lembro-me muito bem dessa entrevista e o que eu disse foi “venerado” e não “venerando” chefe do Estado. Hoje, sei que não foi gralha, mas perfídia. “Venerado” é uma constatação resignada e “venerando” um desiderato escatológico. Há aqui um abismo que eu, democrata da melhor cepa, não ia transpor.
Jornalistas – Mas mesmo “venerado” era-o só pelo regime, e não por quem se lhe opusesse… J. Chavão – Pois era, mas eu referia-me, na mais crítica subtileza, apenas àqueles que o veneravam, e não às minhas convicções. Além disso, jogava também com a ambiguidade das palavras, dada a similitude fonética do verbo “venerar” e do adjectivo “venérea”, aplicável a doenças destruidoras e contagiosas.
Jornalistas – Mas o venerando tinha uma doença venérea?  J. Chavão – Organicamente, não. Mas era uma elipse, está a ver? Uma metáfora de denúncia e de combate. Corri os riscos que a dignidade me impunha.
Jornalistas – Não estamos muito convencidos. J. Chavão – É natural. Em democracia compete-vos erguer a dúvida e ao político esclarecê-la. Fomos exemplares: vocês questionando e eu iluminando a verdade.
Jornalistas – Então e as outras questões que lhe pusemos? J. Chavão – Calma! Uma de cada vez. Mas receio que nem vocês tenham espaço nem eu tempo para estar aqui a replicar minudências… É que assim não passamos dessas brumas do passado!
Jornalistas – Bom! Então diga-nos porque razão foi da censura, para já não falar da Legião Portuguesa?  J. Chavão – Ora ainda bem que me perguntam isso, que tem propiciado as mais infames especulações. Como sabe, nesses tempos, a opção dos oposicionistas mais lúcidos era estar por dentro dos mecanismos da repressão. Os comunistas, por exemplo, ensaiavam o “entrismo” nas Forças Armadas”. Eu optei pela censura. E graças a mim saíram vários textos na “Vóz” desmentindo o escândalo dos “ballet roses”. Era a melhor forma de confirmar o rumor. Fui aliás felicitado por muitos democratas da época, ainda que, infelizmente, já todos mortos. Jorlalistas – E a Legião?
J. Chavão – Por amor de Deus! Era para acabar com ela! E creio que a História o demonstrou… Deixemos isso. Jornalistas – Hoje, como dirigente nacional, como define o seu partido? J. Chavão – O meu partido é eminentemente português. Gostamos de jaquinzinhos, de caravelas de filigrana e de galos de Barcelos. O povo reconhece-se nele. Não queremos nada com Maurras, ou Marx, ou João XXIII, ou Fukuyama, ou Galbraith, ou Rose Friedman. Queremos, sim, Zurara, Duarte de Almeida, Herculano, José Agostinho de Macedo, João XXI, D. Miguel, Bulhão Pato, Luisa Todi e Carlos Lopes. Queremos soluções portuguesas para os problemas portugueses. Queremos abolir os impostos, decuplicar o subsídio de desemprego, pôr a inflacção a zero e suplantar o nível de vida dos suiços. Ah, e queremos o Futre, fundos comunitários que paguem o Centro Cultural de Belém, o Torga como Prémio Nobel de Literatura e iluminação e macadame na rua que conduz à minha casa. Somos conservadores, democratas-cristãos, liberais, socialistas e marxistas, consoante os problemas concretos. Queremos fazer, e não falar. Toda a ideologia é um preconceito. O que não deve levar-nos a excluí-las todas, mas a adoptá-las todas, a bem da Nação. E preocupamo-nos imenso com os reformados, o ambiente e a amoralidade reinante na política. Somos o futuro.

NOTA – Este texto é de Nuno Brederode Santos( por onde andará este senhor?) e foi publicado na Revista do Expresso há já muitos anos…


Transcrito por Amândio G. Martins

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