J.
CHAVÃO
Ao horóscopo,
à coluna do vaivém festivo de umas quantas enexistências que gostam de trazer
vestidos vinte salários mínimos nacionais, aos “descubra as diferenças” e aos
obituários, prefiro esse outro produto jornalístico – repetitivo, circular e
recorrente que é a entrevista ritual com J. Chavão, pretoriano da banalidade e
estrénuo defensor do bem comum.
J. Chavão não
é um homem, mas um tipo. E, no limite do que eu posso pedir à vida, talvez
mesmo um mutante com futuro. Escolheu a generosa especialidade das ideias
gerais e foge do opinativo pessoal como o diabo da cruz. Prevê a mais ingrata
das meteorologias, que é o seu subjectíssimo destino, em regra no deslumbrante
horizonte estratégico das próximas quarenta e oito horas; e como a sanção
política fustiga o erro pelo gélido código dos hunos de outrora, vai sempre a
tempo de mudar e desmentir o que fez ou o que disse. Ponto é que o patrão não
tenha o tempo nem sinta a necessidade de o desmentir na praça pública: pois com
as humilhações de gabinete pode ele bem, já que o único e verdadeiro perigo é a
reprimenda à luz do dia.
Do calvário
da aventura de vida que escolheu, faz parte em maior ou menor grau a exposição
prudente à Imprensa.. É uma técnica dúctil, mais virada para não fazer notícia
do que o arriscado contrário.Tomemos um exemplo entre mil de uma raivosa
alcateia de plumitivos cercando e entrevistando J. Chavão.
Jornalistas –
Quero perguntar-lhe, primeiro, como explica o seu actual apego à democracia.
Afinal, no “Século” de 12 de Novembro de 1966, V. elogiava o “venerando Chefe
do Estado”, justificava a eleição indirecta e deprezada do mesmo, crismava de
“bandoleiros vendidos a Moscovo” os estudantes e oposicionistas e classificava
o regime de “paraízo da paz”, “democracia orgânica” e “objecto da inveja do
mundo”…
J. Chavão –
Ora ainda bem que me faz essa pergunta, pois dá-me a oportunidade de esclarecer
de uma vez por todas certos mal-entendidos que circulam a meu respeito. Como
sabe, naquele tempo a Imprensa era manipulada. Mais até, totalmente controlada
pela censura. Lembro-me muito bem dessa entrevista e o que eu disse foi
“venerado” e não “venerando” chefe do Estado. Hoje, sei que não foi gralha, mas
perfídia. “Venerado” é uma constatação resignada e “venerando” um desiderato
escatológico. Há aqui um abismo que eu, democrata da melhor cepa, não ia
transpor.
Jornalistas –
Mas mesmo “venerado” era-o só pelo regime, e não por quem se lhe opusesse… J.
Chavão – Pois era, mas eu referia-me, na mais crítica subtileza, apenas àqueles
que o veneravam, e não às minhas convicções. Além disso, jogava também com a
ambiguidade das palavras, dada a similitude fonética do verbo “venerar” e do
adjectivo “venérea”, aplicável a doenças destruidoras e contagiosas.
Jornalistas –
Mas o venerando tinha uma doença venérea?
J. Chavão – Organicamente, não. Mas era uma elipse, está a ver? Uma
metáfora de denúncia e de combate. Corri os riscos que a dignidade me impunha.
Jornalistas –
Não estamos muito convencidos. J. Chavão – É natural. Em democracia compete-vos
erguer a dúvida e ao político esclarecê-la. Fomos exemplares: vocês
questionando e eu iluminando a verdade.
Jornalistas –
Então e as outras questões que lhe pusemos? J. Chavão – Calma! Uma de cada vez.
Mas receio que nem vocês tenham espaço nem eu tempo para estar aqui a replicar
minudências… É que assim não passamos dessas brumas do passado!
Jornalistas –
Bom! Então diga-nos porque razão foi da censura, para já não falar da Legião
Portuguesa? J. Chavão – Ora ainda bem
que me perguntam isso, que tem propiciado as mais infames especulações. Como
sabe, nesses tempos, a opção dos oposicionistas mais lúcidos era estar por
dentro dos mecanismos da repressão. Os comunistas, por exemplo, ensaiavam o
“entrismo” nas Forças Armadas”. Eu optei pela censura. E graças a mim saíram
vários textos na “Vóz” desmentindo o escândalo dos “ballet roses”. Era a melhor
forma de confirmar o rumor. Fui aliás felicitado por muitos democratas da
época, ainda que, infelizmente, já todos mortos. Jorlalistas – E a Legião?
J. Chavão –
Por amor de Deus! Era para acabar com ela! E creio que a História o demonstrou…
Deixemos isso. Jornalistas – Hoje, como dirigente nacional, como define o seu
partido? J. Chavão – O meu partido é eminentemente português. Gostamos de
jaquinzinhos, de caravelas de filigrana e de galos de Barcelos. O povo
reconhece-se nele. Não queremos nada com Maurras, ou Marx, ou João XXIII, ou Fukuyama,
ou Galbraith, ou Rose Friedman. Queremos, sim, Zurara, Duarte de Almeida,
Herculano, José Agostinho de Macedo, João XXI, D. Miguel, Bulhão Pato, Luisa
Todi e Carlos Lopes. Queremos soluções portuguesas para os problemas
portugueses. Queremos abolir os impostos, decuplicar o subsídio de desemprego,
pôr a inflacção a zero e suplantar o nível de vida dos suiços. Ah, e queremos o
Futre, fundos comunitários que paguem o Centro Cultural de Belém, o Torga como
Prémio Nobel de Literatura e iluminação e macadame na rua que conduz à minha
casa. Somos conservadores, democratas-cristãos, liberais, socialistas e
marxistas, consoante os problemas concretos. Queremos fazer, e não falar. Toda
a ideologia é um preconceito. O que não deve levar-nos a excluí-las todas, mas
a adoptá-las todas, a bem da Nação. E preocupamo-nos imenso com os reformados,
o ambiente e a amoralidade reinante na política. Somos o futuro.
NOTA – Este
texto é de Nuno Brederode Santos( por onde andará este senhor?) e foi publicado
na Revista do Expresso há já muitos anos…
Transcrito
por Amândio G. Martins
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.