quinta-feira, 10 de setembro de 2015

TRISTE VIDA

                                      CIVILIZAÇÃO E CULTURA          
Este sempre lindo mas sempre pobre país, que já foi mais bonito e mais pobre, começa a ser pouco simpático; país hospitaleiro, país de Sol, transformado em coisa nossa e em “Sol da nossa simpatia”, torna-se em uma casa de trancas na porta e sombria casa; país que economicamente não vale um tostão furado, país que não tem uma indústria própria, país de agricultura inconsequente, que produz para nada e que por isso nada interessa produzir, país, enfim, que vive das esmolas de outros, tolhido e decepado por outros, julga-se este país, ou há quem julgue ser este país um grande, próspero e sólido país.
País emigrado pelos quatro cantos do mundo, país a ir buscar o que o país não dava, país retalhado, país negado, país explorado, país mendigo e pedinte, país que, se quisesse ou tivesse de pôr em casa todos os filhos, estoirava; país confuso, país confundido, país que confunde asfalto com qualidade de vida, país que confunde hipermercado com pão para todos, país que confunde shopping center com distribuição igualitária de bens de consumo, país que confunde umas quantas clínicas privadas e alguns hospitais razoavelmente equipados com qualidade generalizada na assistência à saúde e à doença; país cego ou país que nos quer pôr os dedos nos olhos, país que quer iludir, que quer que se veja na habitação de luxo a casa de todos os outros que vivem no país, mesmo os que vivem em barracas e mesmo aqueles que nem em barracas vivem, que não vivem em lado nenhum ou vivem nus no nu deste país; país que, sendo real, teima em ser avestruz.
País de areia no ar, nas vistas, país gabinete; país que, de um centro ultural quer fazer exemplo de cultura no país; país que de uma reforma de ensino no papel quer fazer sinónimo total de uma reforma total; e país Camarate, país propinas, país que expulsa por dá cá aquela palha, país sem tacto diplomático, país com o rei na barriga, ou, porque não é monárquico, com a laranja na barriga; país tudo quero, posso e mando; país apetece-me, faço; país jogador de futebol, futebolista, fintador, fabricador e gestor de escândalos; país vírgula, país que não era racista e que, por moda, mania ou ideologia, parece que quer ser; país que, apesar de tudo, fora pátria, fora, pelo menos, mátria,  e foi,
apesar de tudo, pátria em outras e de outras pátrias e, agora, ao que parece, está a tornar-se num banalíssimo e estúpido país xenofóbico.
Ó país, desenvolve-te, respeita e faz-te respeitar, dá a mão, deixa-te de pantomineirices, cresce por dentro e por fora e ama inteiramente a vida. Só assim serás um país bonito.

NOTA – Este texto tem assinatura de Fernando Hilário, foi publicado há anos no Jornal de Notícias mas parece-me hoje, quase todo ele,  actualíssimo…
Transcrito por Amândio G. Martins

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