Estamos em tempo de semanas académicas e necessariamente a questão
das praxes volta à ribalta.
O meu filho mais velho chamou-me a atenção para um
depoimento dado ao Jornal Público por uma menina, trajada a rigor, dando “solenemente
“ o seu testemunho acerca da forma como foi praxada .
Quem quiser ver e ouvir carregue neste link
http://aventar.eu/2014/05/05/fujam-fujam-pra-longe/
, mas eu vou levantar um pouco do véu e aguçar-vos o apetite, ou o vómito, com
algumas das pérolas proferidas pela Cecília ( é este o seu nome ). O Título da
notícia é “Fujam, Fujam p’ra longe”
Ora espreitem lá…
- “(…) a praxe não é humilhação mas está presente” (está
presente o quê?) (…) é normal, é aceitável, é compreensível”;
- “ao longos das
nossas vidas vamos ser humilhados das mais diversas formas”;
- “um dia, num futuro emprego, o meu patrão poderá chamar-me
de incompetente e eu terei de saber aceitá-lo”;
- “os nossos professores chamam-nos ignorantes e nós temos
de limitarmo-nos aos silêncio”;
- “a praxe ensina-nos (…) que na vida há uma hierarquia
natural e que nós vamos ter de aceitá-la”;
- “a praxe ensina-nos (…) a igualdade para com os nossos
semelhantes caloiros e a desigualdade perante o superior“;
- “Todos os anos morrem pessoas afogadas em rios (…) e até
nas suas banheiras”;
- “Eles morreram na sequência de uma onda e não no ritual de
praxe porque embora estivessem numa actividade praxista, podiam não o estar e
morrerem na mesma”;
- “A praxe envolve humilhação, envolve gritos, envolve estar
de quatro (…)”;
É, efectivamente é caso para fugir ...
Se exemplos destes não nos fizerem repensar e educação e a
cidadania em Portugal, então este país está de facto condenado a uma triste e
vergonhosa mediocridade, da qual ninguém escapa - nem estes pobres e
"debiloides" protagonistas, nem os que vêem isto e ficam calados como
se fosse uma inevitabilidade.
Quando em Janeiro escrevi " as Bestas" ( artigo publicado no DN online ) não era só
à violência gratuita que me referia, era sobretudo a esta pobreza que continuamos
a ver em alguns futuros "Doutores e Mestres" e que como a notícia refere e muito bem,
nos arriscamos a levar por tabela nos mais altos cargos da nação daqui a uns
anitos - basta vergarem-se perante as pessoas certas ( pelos vistos, treino não
lhes falta logo a partir dos bancos da faculdade e até antes ).
Coisa mais triste...
Se não fosse trágico, era quase cómico - o pior é que isto é
mesmo a verdade nua e crua de muitos alunos do ensino superior...e tantos deles
vindo de quadros de honra do secundário.
E que tal ensinarem-nos a pensar e a ser gente, ao invés de
os encherem de conteúdos que não interessam para nada nem para ninguém e muitas vezes só fazem parte dos "curricula dos cursos" porque os professores dos quadros têm que leccionar para justificar o vencimento.
Competências técnicas e científicas são obviamente
necessárias e essenciais, mas que tal juntarem-lhes cidadania, auto-estima,
valores, inteligência emocional...conhecem ou será que isso não interessa nada
?
Que tal ensinarem-nos a pensar e a dizer não quando as coisas são absurdas?
Pelos vistos a burra aqui sou eu...mas continuo a não conseguir ficar calada e como em Janeiro volto a dizer - algo de muito errado se passa no meu país.
Obviamente não posso nem me passaria pela cabeça generalizar até porque existem muitos jovens que conseguem dizer NÃO como os meus filhos disseram, mas existem também centenas ou milhares de "Cecílias" por essas faculdades e politécnicos fora e isso é, verdadeiramente, assustador.
Acho que esta noite vou voltar a dormir mal.
Muito oportuno o que escreve sobre estas "praxes e todo o circo que funciona à vista e com o consentimento ............de tantos, tantos, tantos...."
ResponderEliminar( E parece que "isto" só é "visto", por Pessoas como a Graça.....o resto nada vê....)
Porque se faz tanto de conta neste País?
Abraço
Augusto
Boa tarde e bem haja pelas suas gentis palavras.
EliminarApreciei o facto de colocar a palavra Pessoas com P maiúsculo, porque efectivamente esse é o cerne da questão.
Existem muitas pessoas a ver o que se passa, mas infelizmente a maioria prefere, porque é mais cómodo, ficar calado - até ao dia em que algo semelhante lhes bata à porta e isto deixe de ser apenas um problema dos outros.
Até lá é "noticia de telejornal"...e assunto de "café", mas como dizem os miúdos "tá-se bem" porque não me diz respeito - o problema é que diz respeito a todos, mesmo a todos, tenhamos ou não filhos no sistema, porque é neste caldo de hipocrisia que se estão a formar ( ou a de-formar , consoante o prisma da análise ) os cidadãos e futuros dirigentes deste país.
Obrigada pela sua participação.
Evitar mais morte em praxes
ResponderEliminarDirecta ou indirectamente, vamos tendo notícias que nos são transmitidas ao momento e até à exaustão, e depois passadas ao esquecimento, que em praxes ou em “acontecimentos” similares, morrem estudantes. Seja numa praxe localizada, seja em praxes com grupos, seja em festividades das temporadas inerentes a estes acontecimentos.
Talvez, não seja necessário nestes eventos “isto” ter que estar, repetidamente a acontecer.
Por certo muitos pais e mães cada vez que saibam ou sonhem, que filhas ou filhos vão para estes “eventos”, ficam assustadíssimos a pensar o que lhes irá ou não acontecer. E se os vão voltar a “ter”!
Como em assuntos das mais diversos e nem idênticos, neste no nosso pobre País fala-se muito no momento – excessivamente e todos sabem de tudo! - dão-se notícias até mais não ser possível, e de repente tudo fica calado, esquecido e preparamo-nos para ouvir, ler ou nem por isso, outra qualquer “novidade”. Isto é tudo tão normal neste nosso País, que parece não haver como romper este “estado de coisas”.
Mas, como para além de cada vez o País estar a ficar mais envelhecido, cada vez se fazerem e logo, nascerem menos crianças, o que implicará um contínuo não renovar demográfico, deveremos – talvez! - todos ter obrigação de cuidar, o melhor conseguível, uns pelos outros e não o inverso.
Posto isto, haverá por certo de se pensar que as manifestações entre estudantes, são muito salutares, se forem o que se espera que “devam ser”. Se cada vez que estes acontecimentos se sucedem, implicam mal-estar, idas a médicos, queixas e até mortes, talvez algo esteja a ter que ser mudado, evidentemente melhorado.
Assim, espera-se que por vontade própria, por colaboração de mães e pais com filhas e filhos, de professores, das diversas hierarquias escolares, de todos os estudantes, deixemos de ouvir queixas de praxes, de haver mal-estar nestas manifestações e afins, e sobretudo de nunca mais haver uma só morte.
Esperemos, todos! Sem fortes certezas!
A. Küttner de Magalhães
Abril 2014
Grata pelo seu comentário, permita-me que partilhe da sua genuína e mais do que justificada dúvida. É que o nosso país conseguiu a proeza de desprezar e considerar "demodée" os valores b´sicos da cidadania e das relações entre as pessoas. Uma sociedade só o é verdadeiramente se as suas instituições cumprirem a função para que foram criadas ( incluindo aqui a instituição Família e a instituição Escola no seu todo ) e se em simultâneo não for esquecido que nada faz sentido se a Dignidade das pessoas não for valor prioritário.
EliminarO senhor tem dúvidas em relação ao futuro...eu também ; mas mais do que apenas dúvidas tenho receios e viver com medo é dos piores sentimentos que se podem ter em Democracia.
Bem haja.
Infelizmente, estou , uma vez mais, totalmente de acordo Consigo!!!
EliminarEstamos sem "orientaçao". Esta vontade de achar que a História, são as duas semanas anterirores ao dia de hoje, e a Memoria tem ainda menos tempo, evidentemente faz perder todos e quaisquer Valores. Estamos "assim"......e ponto!!!!!
Abraço do
Augusto
O lamentável, é que as pessoas que proferem estas anormalidades, estão na recta de lançamento para dirigirem as nossas vidas, seja na política, seja em qualquer departamento onde haja algum poder de decisão. São uns robots, sem réstia de sentimento humano, que não entendem a fraternidade e o respeito que deve caldear a vida social. Alguns dos nossos governantes, cuja têmpera é a mesma, ao anunciar algo que prejudica os mais necessitados, têm, por vezes, um esgar malicioso, como se os outros, os governados, fossem algo desprezível. Isto está a atingir um ponto de rotura.
ResponderEliminarNão sei se os meus caros colegas tiveram a oportunidade de ler o artigo a que faço alusão - " As Bestas" que escrevi em Janeiro e que se encontra no DN online, mas já nessa altura lanço um conjunto de preocupações e estupefações sobre a o fenómeno em si e sobre o tipo de cidadãos que este país está a criar / formatar, que podem tornar-se na geração mais qualificada de todos os tempos em Portugal, mas também em muitos casos na mais mal formada dos ponto de vista dos valores humanistas e do respeito pelo outro.
ResponderEliminarSó por isso este novo paradigma devia fazer-nos parar para pensar que tipo de "monstrinhos" amestrados estamos a permitir que sejam gerados no sistema.
De uma coisa estou certa - isto interessa a alguém - ter marionetas acéfalas, acríticas e submissas interessa a um sistema que vive e sobrevive com manipulações sucessivas da opinião pública e pela indução do "medo" como estratégia para nos calar.
Esta geração de futuros Drs e Mestres ( tantos feitos a martelo ), estão no bom caminho e isso só me pode entristecer muito - como cidadã, mulher e ex-política. Como mãe, como já tive oportunidade de dizer, só tenho que me orgulhar dos dois que tenho lá em casa e ousaram dizeram NÃO, a estas bestialidades.
lamento o erro na ultima frase - obviamente é "ousaram dizer" que pretendia ter escrito...
ResponderEliminarpeço desculpa pelo lapso.
Já agora aproveito para dizer que devido à profissão que tenho, estás temáticas são recorrentes nas minhas abordagens e não se limitam às semanas académicas , nem quando infelizmente acontecem tragédias - o que sinto é que ando a "pregar no deserto", mas não é isso que me demove de continuar a denunciar...até que " a voz me doa".
A praxe implica beijar a mão aos senhores e é de pequenino que se torce o pepino!
ResponderEliminarEle é na tropa, é no trabalho, é no casamento, é nas religiões, nas submissões, nas touradas os touros ajoelharem, etc. etc.
Este assunto é eterno e sem solução. A bestialidade é a mesma, os modos é que variam, mas mantendo a humilhação corporal ou moral. Não há limites para a bestialidade humana!
Boa tarde meu caro Silvino Figueiredo - até pode ser que o senhor tenha razão, mas enquanto eu tiver voz, coragem, princípios e valor humanistas, pelos quais sempre regi a minha vida e a educação que dei aos meus filhos, nunca admitirei que a humilhação seja uma variável a ter em conta na educação de um ser humano. Nem com os animais o admito, quanto mais nas pessoas.
EliminarEnquanto o mundo viver com medo, não haverá mesmo "limites para a bestialidade humana" ( a frase é sua ) - e eu não me permito a mim mesma viver com medo.
Bem haja e obrigada pela colaboração.