Em
ano de celebração do quadragésimo aniversário do 25 de abril, é pertinente e
urgente proceder a um alargado debate sobre a liberdade. E, relembrando alguns
dos regimes autoritários que controlaram, e controlam ainda, várias nações,
parece-me minimamente consensual que o caminho do progresso terá de ser sempre
o da ampliação das liberdades individuais. E ampliar as liberdades individuais
significa, em última análise, reduzir o poder coercivo de uma entidade divina,
omnipotente e omnipresente que dá pelo nome de Estado (seja lá o que isso for).
Neste
contexto, e com o objetivo de potenciar a liberdade de escolha na área da
educação, surge a discussão acerca do cheque-ensino, que foi já aprovado pelo
atual Governo, mas que tem caído no esquecimento por falta de regulamentação.
Antes de conceptualizar,
quero deixar uma pequena reflexão: achava eu que a discussão sobre a aprovação
do cheque-ensino (que visa aumentar a liberdade de escolha da escola a
frequentar) ia ser uma discussão pacífica e unânime na sociedade, pois todo e
qualquer cidadão, à partida, seria favorável a um aumento da sua própria
liberdade de escolha, quando, para meu espanto, percebo que, afinal, a
liberdade incomoda muitos estadistas. Percebi, no final de contas, que vivemos
num país que gosta e se sente confortável com o controlo paternal do Estado nas
suas vidas e que cita, orgulhosamente, o discurso de Kennedy: “Ask not what
your country can do for you; Ask what you can do for your country”. Deste
discurso eu retiro, apenas, uma ideia paternalista de que o Estado é o protetor
e o regulador e o cidadão um mero servo, mas é interessante ver como os
portugueses se motivam com a referida citação e se orgulham de possuir um
Estado controlador, nem que seja por motivos de conformismo. E, desta feita, a
tal discussão que eu achava que ia ser pacífica, não é, afinal, assim tão
consensual quanto isso. Ou seja, há que entender que, em Portugal, esta
discussão se fez numa sociedade habituada a que o Estado decida por ela, sendo,
portanto, uma discussão polémica.
O Cheque-Ensino (ou “School-Voucher”)
é uma solução pensada e defendida pelo economista liberal Milton Friedman para
permitir que os alunos escolham, de forma livre, que escolas querem frequentar.
Friedman sempre nos habitou a soluções inovadoras e polémicas para aumentar a
liberdade individual de cada um (veja-se o exemplo da sua brilhante
argumentação contra a imposição de um salário mínimo, por gerar desemprego), e
o cheque-ensino não foge à regra: propôs-se que o dinheiro atribuído pelo
Estado às escolas públicas passasse a ser distribuído por todos os alunos sob a
forma de um vale. Este vale, denominado em Portugal por “Cheque-Ensino”,
poderia ser usado para pagar os serviços de ensino quer em escolas privadas
quer em escolas públicas. No fundo, esta solução consagra uma devolução parcial
do dinheiro pago pelos contribuintes nos impostos, mas ao invés de continuar o
Estado a usar esse dinheiro, a decidir pelos contribuintes onde o gastar, e a
fazer parecer que a Escola Pública é gratuita, devolve-se esse dinheiro e cada
família escolhe livremente onde colocar os seus filhos a estudar. Ou seja, em
síntese, o cheque-ensino visa, precisamente, dar às famílias possibilidade de,
livremente, escolherem onde querem os seus filhos a estudar e, desta forma,
potenciar uma verdadeira igualdade de oportunidades.
Uma vez definido o
conceito, cumpre expor o porquê de se com ele visar o aumento a liberdade de
escolha e a igualdade de oportunidades. Contudo, há que fazer um esclarecimento
prévio: não se trata, nesta sede, de uma discussão à volta da Escola Pública vs Escola Privada, mas
apenas uma questão de se decidir em que mãos deve estar a escolha da Escola de
cada aluno: nos Estado ou nas mãos dos contribuintes (que pagam o sistema).
Em primeiro lugar, há que
referir o lógico: o Cheque-Ensino aumenta, naturalmente, a liberdade de escolha
das famílias, porque lhes devolve, parcialmente, o dinheiro apreendido pelo
Estado a essas mesmas famílias através dos impostos, e lhes permite escolher em
que Escola querem gastar esse voucher.
Esta situação altera, radicalmente, o panorama atual, onde o Estado decide onde
investir o dinheiro na área da educação apreendido aos contribuintes, sob a desculpa
de estar democraticamente legitimado (e está: através da democracia
representativa). Quando se refere este primeiro argumento favorável ao
Cheque-Ensino, há sempre vozes que ficam incomodadas com tanta liberdade
atribuída às famílias (certamente receando algo) e condenam esta solução,
defendendo que o que o Cheque-Ensino visa é um financiamento do Estado ao
sistema privado e que os fundos públicos não podem nunca estar ao serviço dos
interesses económicos privados. E, quanto a isto, em primeiro lugar, referir
que o Cheque-Ensino irá financiar os privados é partir da presunção de que
todas as famílias iriam, efetivamente, escolher o sistema privado de ensino em
detrimento do público. E, obviamente, esta presunção só pode ser aferida com
segurança a posteriori. Mas, mesmo
que se considere plausível esta presunção, na verdade, não há atrocidade
nenhuma no facto de o Estado devolver às famílias uma quantia pecuniária que,
efetivamente, lhes pertence. Afinal, onde está o problema de alguém que vai a
uma loja de roupa (comprar uma camisola), escolher a camisola que paga? E,
neste contexto, soluciona-se mais um problema: é que, em Portugal, atualmente,
as famílias que optarem pelo Sistema Privado, estão condenadas a terem de
pagar, ainda que não usufruam, também o Sistema Público, uma vez que nenhuma
retribuição/devolução lhes é fornecida (apenas uma pequena parcela em sede de
desconto de impostos). E, com o Cheque-Ensino, ultrapassasse de forma
definitiva esta grave deficiência do nosso sistema de ensino. Afinal, todos nós
já assistimos às famosas promoções do “leve 2, pague 1”; mas seria quase
esquizofrénico um anúncio “leve 1, pague 2”.
Um segundo argumento que
sustenta a necessidade da aprovação urgente do Cheque-Ensino é a sua
consequência de permitir uma verdadeira igualdade de oportunidades. Atualmente,
as famílias estão geograficamente limitadas na escolha de uma escola (pública),
sendo-lhes, de forma geral, apenas possível aceder à escola da sua zona de
residência. Fácil é de entender que este sistema afasta qualquer tipo de
igualdade de oportunidades entre os alunos, deixando-os reféns da sorte de,
perto de sua casa, terem (ou não) uma escola que os satisfaça. O Cheque-Ensino
soluciona este problema, eliminando as restrições geográficas da escolha e colocando
todos os alunos, à partida, no mesmo grau de oportunidades. Nesta sede, surgem
vários argumentos que tendem, mais uma vez, a condenar o Cheque-Ensino, mas a
fragilidade de cada um deles é evidente. Veja-se: diz-se, às vezes, que se é
verdade que as restrições geográficas são um entrave à igualdade de
oportunidades, também é verdade que o Cheque-Ensino não as soluciona de forma
eficaz, porque cria outro tipo de condicionantes, nomeadamente através das leis
da oferta e da procura que regulam o mercado. Os defensores desta ideia, que
nunca apresentaram uma solução melhor do que a do Cheque-Ensino, dizem que este
mecanismo irá condicionar a escolha das famílias da escola onde querem os seus
filhos a estudar por via das leis do mercado, como sejam os preços (que podem
ser mais altos do que o valor do Cheque-Ensino) ou a lotação das escolas (seria
o exemplo de uma determinada família não conseguir inscrever o seu filho na
escola pretendida porque a mesma já se encontrava lotada). Ora, quanto a isto,
digo eu, é melhor ter uma lei que à partida garanta liberdade de escolha, do
que simplesmente não a ter. Por isso, as condicionantes da lotação das escolas
irão sempre existir e, por motivos físicos, não serão ultrapassáveis, mas já
que se falou em regras de mercado, o mercado também diz que quanto maior a
procura, maior (e melhor) será a oferta. Logo, por certo, e até por motivos de
natureza económica, se uma escola ficar lotada numa zona geográfica, não
faltarão interessados em construir, nessa mesma zona, uma outra escola,
aproveitando o nicho e a oportunidade de mercado que aí se abriu. Por outro
lado, quanto ao argumento de o Cheque-Ensino não poder, eventualmente, ser
dotado da quantia monetária suficiente para abranger todas as escolas, o
problema coloca-se da seguinte perspetiva: o Cheque-Ensino terá um determinado valor,
mas não necessariamente equivalente ao valor que cada Escola (pelo menos as
privadas) impõe como mensalidade (esta é uma matéria da competência exclusiva
da Direção de cada escola). Contudo, as escolas serão cautelosas no valor
fixado, porque pretendem abranger o máximo número de alunos, para obterem,
também, mais lucro. Por isso, facilmente se imagina que o valor do voucher será equivalente ao valor que
muitas escolas irão cobrar, sob pena de não serem economicamente viáveis. Mais
ainda: o Cheque-Ensino não ambiciona acabar com as Escolas ditas de elite, com
mensalidades bem mais elevadas do que o hipotético valor do Cheque-Ensino.
Aliás, qualquer pretensão legislativa que quisesse por fim a essas escolas,
estaria condenada ao fracasso. Isto porque não se pode querer atribuir
liberdade de escolha aos alunos, e vedar essa liberdade às Escolas. São duas
faces da mesma moeda: também as escolas, pelo menos as privadas, serão livres
de determinar quais os critérios de admissão dos alunos. Mas, como se percebeu,
não faltarão escolas a quererem competir pelos alunos, sob pena de terem de
encerrar por falta de viabilidade económica. Na verdade, da mesma forma que o
consumidor que pretender jantar fora numa sexta-feira à noite não ficará, por
certo, insatisfeito com a oferta de restaurantes que tem à sua disposição,
nenhum aluno ficará, também, sem escola para frequentar. É a economia a
funcionar. Compatibilizando as duas liberdades referidas, sem que uma reduza
necessariamente a outra, diga-se que têm também os restaurantes a liberdade de
escolher por que clientes querem ser frequentados e não é por isso que, à
sexta-feira à noite nos falte ofertas de qualidade na área da restauração,
independentemente do orçamento que quisermos gastar.
No seguimento do que vem
sendo dito, há um terceiro argumento muito sólido que justifica a implantação
do Cheque-Ensino: este mecanismo permite obter melhorias qualitativas no
sistema educativo, através da competição que cria entre todas as escolas. É
que, pela primeira vez na nossa história nacional, teremos o setor público em
direta competição com o setor privado. E, como sabemos, se as escolas competem
pelos mesmos alunos, irão querer influenciar a escolha dos alunos através de
melhorias significativas nas instalações, oferta curricular ou qualidade dos
docentes. Por isso, daqui decorre que, efetivamente, o objetivo do
Cheque-Ensino não é, como tem sido dito, aniquilar o sistema público de
educação, mas sim permitir que este compita diretamente com o privado pelos
mesmos alunos. E, dizer-se que o Cheque-Ensino irá acabar com a Escola Pública
é, portanto, apenas uma das possíveis consequências, admitindo que o ensino
público não seria capaz de competir com o privado (ainda não existem dados
sólidos que suportem esta hipótese). Por isso, fico sempre admirado quando vejo
a nossa esquerda política, conhecida
admiradora de um conceito de escola pública ultrapassado e forçado, a
argumentar que o Cheque-Ensino não poderá ser aceite porque irá aniquilar um
dos pilares de uma sociedade, a tal escola pública. E, neste contexto, quando
vejo esta argumentação, retiro a lógica e devida conclusão: a esquerda política, em Portugal, não
acredita verdadeiramente na qualidade e capacidade competitiva da escola
pública; caso contrário, não temia a competição direta com a privada. E se há
algo que, efetivamente, não podemos admitir, não é, pois, o Cheque-Ensino, mas
sim, cinismos políticos, verdadeiramente capazes de aniquilar todos os pilares
de uma Democracia.
Por fim, e numa última
tentativa de tentar travar o Cheque-Ensino, surgem ainda dois argumentos,
também eles pouco sólidos. Dizem os críticos deste mecanismo que as famílias
portuguesas não estão preparadas para saber escolher qual a melhor escola para
os seus filhos e, por isso, a liberdade atribuída pelo Cheque-Ensino de nada
lhes irá valer. Convenhamos que, nesta sede, o argumento é assustador per si. É que, quem defende esta ideia,
normalmente tende a ter de defender que como a maioria dos cidadãos não estão
preparados para votar, então não devem votar. Como eu disse, trata-se de um
argumento pouco sólido, lírico e até assustador.
E como última instância
de ganhar a discussão contra o Cheque-Ensino, normalmente é citado o exemplo sueco,
referindo-se a evolução dos resultados dos alunos suecos nos testes PISA,
depois da implementação destes vouchers.
Diz a estatística que as quedas foram acentuadas em relação aos resultados
anteriores, dando a entender que a situação está longe de ser animadora na
Suécia e que a evolução do sistema educativo pode não ter sido a mais adequada.
Acontece que este argumento é, na verdade, a última bala que os defensores de
um rígido modelo estatal de educação disparam contra o cheque-ensino. É um
último suspiro, antes de se renderem à inevitabilidade do cheque-ensino como
forma de superar o controlo estadual no poder de decisão das famílias. É que,
citar exemplos estrangeiros é algo que os portugueses adoram fazer. Esquecem-se
é que estas perigosas comparações tinham de ser feitas sempre integrando toda a
circunstância do caso e, nunca, apenas o resultado final. Porque, se for para
citar exemplos estrangeiros, bastava citar o bem-sucedido caso americano do School-Voucher, não sendo, por isso,
que o Cheque-Ensino, em Portugal, estaria automaticamente justificado.
À guisa de conclusão,
analisados de forma coerente e livre todos os argumentos, a conclusão só pode
ser uma: o Cheque-Ensino é um instrumento realmente capaz de aumentar a
qualidade do nosso sistema de ensino e de potenciar a tão importante liberdade
de escolha e igualdade de oportunidades no âmbito escolar. Contudo, esta
reflexão acerca da liberdade no sistema de ensino só estaria terminada
promovendo a efetiva liberdade de escolha do currículo e de métodos pedagógicos
em todas as escolas, mas isso seria já outra discussão. Para já, a aprovação do
Cheque-Ensino seria um importante primeiro passo.
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