Eu tinha quase 11 anos e Maio
amanheceu solarengo.
O ar estava carregado de euforia,
sorrisos e lágrimas finalmente livres de censuras, antes derramadas em
silêncio, agora de peito aberto e orgulhosas, como orgulhoso nasceu aquele
primeiro 1º Maio.
Ébrios de uma liberdade que ainda
não entendiam, os portugueses saíram à rua como nunca antes tinham saído e como
nunca mais voltaram a sair.
Tudo era excessivo, mas tudo era
genuíno e só por isso viver o momentos e olhar as imagens que varriam Portugal
de norte a sul , teria valido a pena sair à rua e celebrar Abril e o Dia do
Trabalhador ( pela primeira vez em 40 anos, celebrar os dia do trabalhador ).
A manifestação do primeiro 1º de
Maio tem uma importância, histórica, sociológica, sociopsicológica e emocional
sem paralelo na história do Portugal Democrático.
Neste dia, ainda que “ressacados”
pelos acontecimentos de 5 dias antes e sem saber o que riria acontecer daí para
a frente, os portugueses sonharam…sonharam muito e criaram muitas expectativas,
sobretudo em torno das questões laborais.
Naquele dia, Liberdade queria
dizer Respeito, Diálogo, Trabalho, Educação, Saúde, um país novo e um novo país
– em termos de mentalidades, maturidade, responsabilidade e visão de Portugal
no mundo. Naquele dia tudo era possível…e tudo foi possível naquela explosão de
afecto pintada de vermelho e verde; naquele mar de esperança que invadiu a
terra e os corações dos portugueses.
Mas…existe sempre um maldito
mas…passados 40 anos deste primeiro 1º De Maio, olhamos em torno de nós,
olhamos para o país, olhamos para a realidade laboral portuguesa e vemos o quê
?, sentimos o quê ?, celebramos o quê ?
Vemos um país triste; sentimos
raiva e revolta; celebramos o fracasso do sonho.
Esta é realidade, não vale a pena
mascará-la; mas também não vale a pena, nem podemos baixar os braços e deixar
morrer a semente que Abril plantou.
Se quisermos ser intelectualmente
honesto, sabemos que muitos dos que fizeram Abril, foram posteriormente
carrascos desse mesmo Abril, na medida em que defenderam e defendem coisas que
depois não praticam. Depois ( e não vou falar dos período conturbado de 75 ),
desculpem a ousadia , por um lado sinto que Portugal não adquiriu maturidade
democrática para Viver os ideais de Abril e adaptá-los aos novos desafios, por
outro lado temos sido sistematicamente ingénuos e temos entregue o Poder a
Vampiros, que ao longo dos anos, nos têm sugado força, a esperança e o sangue.
Em termos laborais em vez de
crescermos, temos retrocedido; o movimento sindical tem uma vertente que
estagnou e tem que se repensar e outra composta por um grupo de amigos, mais ou
menos colado aos Poderes alternantes que nos têm governado.
Portugal é um país politicamente
mal frequentado e as pessoas sérias receiam ficar contaminadas. Os movimentos
de cidadãos começam cheios de garra e rapidamente ganham os tiques dos partidos
e ficam iguais a eles , ou morrem e passam a existir em blogues, tertúlias e
workshops onde vão fazendo a catarse dos seus desencantos.
Há 40 anos o povo saiu à rua num
dia assim, cheio de sol…mas era um povo feliz, prenhe de esperança em dias
melhores para todos.
Hoje o povo, algum povo, também
vai sair à rua, mas se queremos salvar a semente que Abril plantou a esperança
tem que ter raiva na voz e revolta nos gestos e nos olhares.
Há 40 anos, eu tinha quase 11 e
às cavalitas do meu pai gritei coisas que não entendia mas que depois me
ensinaram e estava feliz porque à minha volta a alegria era contagiante, mesmo
entre os que choravam.
Hoje , 40 anos depois, quase com
51 anos e com filhos bem mais velhos do que eu era na altura ( 19 e 22 anos ),
quero falar-lhes da importância deste dia e fico com um nó na garganta, porque
sei, porque sinto e vejo que o futuro deles e tão escuro e incerto. Porque
sinto e vejo que eles não acreditam no país em que nasceram e com o seu
silêncio que tanto fala, nos perguntam – o que foi que vocês deixaram fazer a
Portugal.
Teremos nós coragem para lhes
responder, com verdade ?
Dito isto, volto a dizer o que já
repeti tantas vezes – fizemos Abril…mas 40 anos depois, continua a faltar
“cumprir Portugal” e os nosso filhos e netos exigem de nos que sejamos
capazes…e estão cheios de razão.
Graça Costa
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