terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Bichos

Portugal tem admiráveis homens de letras, mas desse respeitável rol, neste momento, pretendo destacar e trazer como mensagem, dois nomes inultrapassáveis, que qualquer literatura mundial teria orgulho em cultivar; Fernando Pessoa e Miguel Torga.
Se houvesse um cuidado em aprofundar o pensamento destes homens, – valores pátrios de imensidade universal -, em cada universidade portuguesa, e até em cursos diferentes, devia haver cadeiras para os estudar e aprofundar a obra e o pensamento destes colossos da literatura, da filosofia, da psicologia, da sociologia, da antropologia e de tudo a que ao homem diz respeito. Infelizmente, neste, como noutros campos, é a negligência que se vê.
Deixo pelo caminho esse enigmático e genial Fernando Pessoa e, atrevo-me a trazer a terreiro, porque vem a propósito, o lúcido e inesquecível Miguel Torga, lembrando os seus contos onde os principais actores são os bichos, tratados como se pessoas fossem, onde o autor lhes dá papel equiparado a seres humanos. Em Portugal e noutras partes do mundo, muitas pessoas estão a ser tratadas abaixo dos ditos seres irracionais e a indiferença é dominante.
Os senhores que têm o poder e a capacidade de decisão, em alguns países e nos areópagos que os tutelam, que vomitam leis e directivas para as comunidades que os sustentam, não produzindo um avo de riqueza tangível, vivendo num mundo que julgam isolado do restante, decidiram ter, para si, rendimentos assegurados a um nível escandalosamente superior ao que entendem ser suficiente para outros cidadãos, considerados, neste caso, como inferiores. Isto é confrangedor e repugnante e terá, a mais curto ou longo prazo, as inevitáveis consequências.
Que haja uma parte, já muito significativa, da população mundial e de alguns países europeus que passe fome, que não tenha habitação condigna, nem assistência médica, pouco comove alguns governantes das nações tal como os eurocratas detentores do poder. Eles têm um estilo de vida, que comparado à maioria dos governados, é quase ofensivo. A insensibilidade reinante, dominada pelos mercados, está a tornar insuportável a convivência entre os povos.
Um corrupio de má administração atravessou a vida de alguns países europeus menos preparados e criaram-se situações de dívidas, sejam elas do Estado ou dos privados, impossíveis de liquidar na forma contratual em que foram geradas. Estes contratos têm credores e devedores e as responsabilidades não podem ser apenas de uma parte. É verdade que há dívidas contraídas, num esquema de quase insanidade mental, pois quem as contraiu, devido às Leis que vigoram, não tem obrigação nem capacidade de pagá-las. E os outros, que não as fizeram? Esses têm mesmo que as liquidar, nem que rastejem? Tem de haver o meio-termo. A responsabilidade é concomitante de ambas as partes; credores e devedores. Por isso, racionalmente entendam-se e temperem os novos acordos com respeito e honestidade.
Na verdade, os papéis confundem-se. Os políticos poderosos, que criaram aparelhos onde só eles e seus apaniguados entram, tratam os outros, especialmente os pobres, como bichos, contrariando a mensagem de Miguel Torga, que atribuía aos bichos uma relação humana.

2.02.2015  -  Joaquim Carreira Tapadinhas - Montijo

7 comentários:

  1. Caro Amigo, apresentou-nos um texto muito lúcido,acerca do gabarito intelectual e honrado dos dois vultos que fez menção de indicar.
    Conheço os dois, mas o meu caro amigo melhor que eu.
    Um abraço honrado e patriótico.

    ResponderEliminar
  2. Caro Joaquim,

    Gostei muito do seu texto. Repito "lúcido" e acrescento "actual"

    Abraço.

    ResponderEliminar
  3. Caro Joaquim,

    Gostei muito do seu texto. Repito "lúcido" e acrescento "actual"

    Abraço.

    ResponderEliminar
  4. Caro Joaquim,
    Quem tem o verdadeiro poder são os bancos, os mercados e as agências financeiras. Nestes ninguém vota; não precisam do voto e não lhes interessa o bem estar dos povos. E quem tem este poder tem todo o poder. E se todo o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.
    Abraço.

    ResponderEliminar
  5. Caro Afonso
    É verdade que são os bancos, os mercados e as agências financeiras que detêm o poder. Contudo esse poder é legitimado pelas leis que são propostas e aprovadas pelos políticos. Logo, se as leis fossem diferentes, tudo seria diferente. Mas como os políticos se deixam corromper chegámos ao estado actual da economia. Um abraço lusitano

    ResponderEliminar
  6. Publicado, hoje no Expresso, ainda que com um extenso corte na parte final. Como de costume, foi enviado a outros jornais (DN, Público e Sol), que até hoje não publicaram.

    ResponderEliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.