Eu tinha quase 11 anos e aquele
dia de Abril amanheceu solarengo.
Com o passar das horas o povo foi
percebendo o que se estava a passar e como que ateando um rastilho de pólvora
doce, o ar foi ficando carregado de euforia, sorrisos e lágrimas antes
derramadas em silêncio, agora de peito aberto e orgulhosas.
Naquele dia a Esperança teve um
outro sabor e uma outra textura – algo estranha mas carregada de promessas.
Ébrios de uma liberdade que ainda
não entendiam, os portugueses saíram à rua como nunca antes tinham saído e como
nunca mais voltaram a sair.
Tudo era excessivo, mas tudo era
genuíno e só por isso viver o momentos e olhar as imagens que varriam Portugal
de norte a sul, teria valido a pena sair à rua e celebrar aquilo que aquele dia
de Abril e os outros que se seguiram pareciam prometer.
A manifestação do primeiro 1º de Maio tem uma
importância, histórica, sociológica, sociopsicológica e emocional sem paralelo
na história do Portugal Democrático e relembro-a como se fosse hoje porque
ainda lhe sinto o cheiro e o sabor, apesar de ser na altura uma gaiata.
Neste dia, ainda que “ressacados”
pelos acontecimentos de 5 dias antes e sem saber o que riria acontecer daí para
a frente, os portugueses sonharam…sonharam muito e criaram muitas expectativas.
Naqueles dias e nos outros que se
seguiram, Liberdade queria dizer Respeito, Diálogo, Trabalho, Educação, Saúde,
um país novo e um novo país – em termos de mentalidades, maturidade,
responsabilidade e visão de Portugal no mundo.
Naqueles dias tudo era
possível…e tudo foi possível naquela explosão de afecto pintada de vermelho e
verde; naquele mar de esperança que invadiu a terra e os corações dos
portugueses.
Mas…existe sempre um maldito
mas…passados 41 anos da Esperança trazida pelo vento de Liberdade trazido por
aquele Abril, olhamos em torno de nós, olhamos para o país e vemos o quê ?, sentimos o quê ?, celebramos o quê ?
Vemos um país triste; sentimos
raiva e revolta; celebramos o fracasso do sonho.
Esta é realidade, não vale a pena
mascará-la; mas também não podemos baixar os braços e deixar morrer a semente
que Abril plantou.
Portugal é hoje um país
politicamente mal frequentado e as pessoas sérias receiam ficar contaminadas.
Os movimentos de cidadãos começam cheios de garra e rapidamente ganham os
tiques dos partidos e ficam iguais a eles, ou morrem e passam a existir em
blogues, tertúlias e worshops onde vão fazendo a catarse dos seus desencantos.
Hoje , 41 anos depois de Abril e
eu quase com 52 e filhos bem mais velhos
do que eu era na altura ( 20 e 23 anos ), quero falar-lhes da importância deste
dia e fico com um nó na garganta, porque sei, porque sinto e vejo que o futuro
deles e tão escuro e incerto. Porque sinto e vejo que eles não acreditam no
país em que nasceram e com o seu silêncio que tanto fala, nos perguntam – o que
foi que vocês deixaram fazer a Portugal.
Teremos nós coragem para lhes
responder, com verdade?
Dito isto, volto a dizer o que já
repeti tantas vezes – fizemos Abril…mas 41 anos depois, continua a faltar
“cumprir Portugal” e os nosso filhos e netos exigem de nós que sejamos capazes, ou pelo menos que tenhamos a maturidade e seriedade suficientes para lhes dar uma explicação cabal para o fracasso do sonho.
Seremos capazes ?...
Graça Costa
Vou ficar a pensar nisto:
ResponderEliminar"Os movimentos de cidadãos começam cheios de garra e rapidamente ganham os tiques dos partidos e ficam iguais a eles, ou morrem e passam a existir em blogues, tertúlias e worshops onde vão fazendo a catarse dos seus desencantos."
obrigada :)
Pense minha querida Céu - acredito que não teorizei...passei pela experiência e por muito que me custe, o nosso sistema político está estruturado para em tese incentivar a cidadania e na prática a estrangular não lhe dando espaço nem legitimidade política para intervir em igualdade de circunstancias com os partidos. Basta pensar na questão do IVA na eleições autárquicas - os movimentos de cidadãos pagam IVA e os partidos não. E este é apenas um pequeno exemplo, poderia falar de tantos outros, como a questão dos símbolo...
ResponderEliminarBeijinho e obrigada pela iniciativa do desafio...