Como o anúncio diria “eu sou do tempo em que”, na segunda
metade do século XX, o lugar da Cancela Velha, à Rua Formosa, no Porto, era o
poiso dos vendedores da banha da cobra, unguento ‘milagroso’ contido em caixinhas
redondas, que dava para combater todos os males do corpo: a dor ciática, dores
de costas, antrazes, dores de cabeça e calos, de entre outros padecimentos.
Portanto, no tempo do senhor ‘Esteves’, que já esteve mas já
cá não está, ou dos semanais serões ‘conversas em família’ dimanados na
televisão a preto e branco do regime, tudo se passava numa paz podre de se
cortar à faca, num cinzentismo castrador das ideias luminosas vindas do
exterior.
Todavia, hoje, quase cinco décadas após o que acima anuncio,
os actuais vendedores da banha da cobra são muitíssimo mais sofisticados e até
tenebrosos, com o poiso nos mais variados lugares de engodo: estão no governo,
na casa do povo, em Belém, na banca, nas empresas para onde saltaram muitos dos
políticos que fizeram untuosas leis que as protegesse, em muitos dos meios da
comunicação social, mormente nas televisões, nas quais até os bem pagos
apresentadores prescrevem placebos para todos os males: são os que contém
cartilagens de tubarão, fósseis ultra milenares e elixires vários, portadores
da longevidade eterna, cogumelos miraculosos. Enfim, tudo tão mirabolante, que
só morre quem não quer viver.
E, agora, com a entrada mais que oficial da venda dos
combustíveis simples, mais simples não podia ser o engodo das gasolineiras,
pois chegou-se ao fim da macacada aditivada, em que tudo vale menos tirar
olhos, digo octanas, para já não falar nos arrastamentos (*) generalizados que
o actual governo tem levado a efeito às nossas bolsas e débeis economias, nestes
últimos quatro anos de gamanço ultra liberalizado.
Assim, ‘tudo vale a pena, quando o gamanço institucionalizado
não é pequeno’.
(*) – o mesmo que assaltos de toda a natureza e feitio.
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