Abril é o mês em que as pétalas de todos os nomes de flores se
espreguiçam na sua plenitude insinuante, provocando os transeuntes distraídos.
Não sei se será assim de verdadeiro nos manuais da botânica: todas
as flores florirem ao mesmo tempo - tenho incómodos com as ciências exactas, o
que amplifica muito as minhas imprecisões- mas inventei uma crença sobre esse
desabrochar avassalador, e até que me desconvença não arredo pé de uma ideia
que me parece decente, para não dizer honestamente apropriada.
Todas florescem em Abril, até as sardinhas, que sendo peixes, são
as flores do nosso mar. Saltam vivinhas e malandras, espelhando dourados
ofuscantes na reflexão dos raios do sol – insinuantes os raios que ensaiam
iridescências do verão que se anuncia.
Como são flores – naturalmente femininas e vaidosas - fazem-se
convencidas nas suas exuberâncias sensuais, apresentando os vestidos mais
atraentes, na plenitude da jovialidade.
A frescura das suas pétalas tira-nos do sério. Femininas e leves,
não resistimos!
Elas aproveitam-se bem disso, e como os homens perdem o tino por
um galanteio mais apimentado, juntam-se e de mão dada celebram Abril, plenas de
cor e nos perfumes hipnotizantes que desprendem ao passar por nós. Os que não
têm uma à mão, vendo-as desfilar, transformam-se momentaneamente em estátuas
boquiabertas, assimilando uma lindeza que os deixa sem reacção.
Os vizinhos espanam os passados à janela enquanto sorriem e
acenam para a rua «olás» e «adeuses». Areja-se a casa à luz que entra e toma
conta das humidades e dos limos.
É nesse momento preciso que o tempo para, abrindo os portões da
eternidade.
Namorar as flores e enaltecer Abril pode também ser uma metáfora:
no gosto das significações, faz-se palavra cruzada a querer dizer outras
coisas, a dizer de outros assuntos tão sérios como o elogio das plantas.
Dizer que é o mês em que se penduram os casacões espessos sa
imagem das flores como símbolo de irreverências e liberdades que irrompem, é o
piscar de olho a um mil-folhas de entendimentos vários.
Esse falar assim, em imagens-palavras é matéria urgente: porque
nas mil e mais uma camada das intenções que se pensam, Abril é verdadeiramente
o mês que simboliza muitos renascimentos.
É a esperança em estado puro – sentimento que consegue ser ingrato
pelas expectativas da desilusão- mas se não se faz vénias à esperança, como se
pode sonhar decentemente?
Um sono árido com o futuro engatado em marcha atrás é uma forma totalmente
desinteressante de passar a noite, e ninguém gosta de dormir em branco, nem
acordar sem perspectivas.
Os tempos não andam de feição, há quem não ame as flores, há quem
as cultive - imitações de plástico - por todos os cantos do mundo, arrancando
do chão as verdadeiras, quando à noite os homens dormem.
Soa a parágrafo dramático, aceita-se essa possibilidade, porque
irritante e óbvia.
Às bocas de Abril, depois do clima invernoso em estado de
adormecimento induzido, as vozes mal se projectam além da porta dos
apartamentos de pladour. É tudo em sussurro.
Os poucos loucos que têm saído à rua para gritar, são loucos
coitados (precisamos tanto deles!), sem ouvintes disponíveis; uns raros, ainda enviam
gritos escritos à mão: ninguém lhes liga, não chegam a destino nenhum.
Esses destinos que os podiam acolher, estão preenchidos pelo circo
dos interesses, das influências, dos recados mandados, de publicidades
poluentes, pelos circos em círculo dos amigos!
Deixou de haver notícia: há panfletos; a opinião é o bonito texto
rendilhado da agência de comunicação; o comentário é o recado mandado dizer.
Mas tudo isso são coisas comezinhas e não estão tempos para os
loucos inconformados, amantes da natureza, ficarem em casa.
Estes são os utopistas,
doentes da mais difícil das doenças mentais, resistente a medicações, imune a
terapias, mesmo as de choque. Doença crónica: pode-se viver perfeitamente toda
uma vida com ela, sem mais efeitos que a irreverência, que não causa outros
danos senão uma urticária permanente nos outros.
Abril é mês em que todas as flores se chamam Abril, que não se vai
poder retirar do calendário, nem dar outro nome.
Cabe aos apaixonados demonstrar que essa utopia do amor, resiste a
todas as lobotomias. Assim, é obrigatório sair à rua de mão na mão com Abril.
Esta é a dica para uma escapadela marota na Primavera, fugas num
roteiro por este país fora... ou dentro de nós.
ainda há quem procura a poesia e a beleza e as diga! Obrigada.
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