Conheço a D. Rita e o marido há alguns anos. São pessoas reformadas e, dos contactos que tenho tido, sempre me pareceram cuidadosas nos seus gastos. Tomam café no Jardim e quando os vejo a almoçar nunca vislumbrei iguarias ou sobremesas caras. Há dias vi a D. Rita e além da troca de cumprimentos do costume referi que o cabelo estava mais bonito. Foi então que parou e desabafou sobre o valor do dinheiro.
Tinha comprado uma raspadinha. Explicou-me que tentam gastar o menos possível pois, não querendo ficar um dia dependentes da família, tentam poupar em extras. Mas naquele dia comprou uma raspadinha e saiu cem Euros. Deu-me pormenores da sensação que este presente lhe causou. O marido aconselhou-a a gastar naqueles extras tantas vezes adiados para não desequilibrarem as suas poupanças. Concordou pois cem Euros era uma boa quantia para pôr em dia os desejos e certamente até ainda iria sobrar para outras ocasiões fazerem umas extravagâncias .
Foram os dois comerem um pratinho de camarões, acompanhados por uma água mineral e uma cerveja. Ficaram felizes. A D. Rita aproveitou para ir então arranjar o cabelo. Além de uma tintinha para tapar as brancas que já estavam a alastrar fez também uma permanente que até facilita o arranjo em casa. E comprou uma loção contra a queda do cabelo para o marido. Aproveitou também para arranjar os pés que calos e joanetes não estavam a combinar bem. Muito emocionada ainda falou num baton que há muito tempo não tinha. E depois…ah! Depois quando chegou a casa foi confrontada com meia dúzia de euritos que tinham sobrado. E repetia: era o resto de cem Euros!
Ouvi com atenção e fui proferindo palavras de apoio e de contentamento pela possibilidade que a D. Rita tinha tido em poder satisfazer aquelas pequenas necessidades, mas a senhora além de preocupada por ter gastos o dinheiro em coisas – que segundo ela – podiam esperar começou a divagar sobre as noticias que a comunicação social nos vai dando da melhoria das condições de vida dos portugueses que considera que nos estão a enganar. Falou nos familiares e amigos que continuam com dificuldades em encontrar emprego estável e nos baixos salários que cada vez mais fazem os nossos jovens adiarem a constituição de uma família, referiu os horários, a falta de habitação a preços compatíveis com os rendimentos… falou na falta de trabalhadores em muitas repartições – tempo que tinha de estar à espera para serem atendidos e o ar cansado dos funcionários.
Ouvi e fui dando razão e apoio aos seus desabafos. A D. Rita agradeceu ter ouvido a historia da sua raspadinha e acabou dizendo que pelo menos uma vez por mês irá tentar a sua sorte.
Maria Clotilde Moreira
Jornal Costa do Sol - 05.02.2020
História singela , mas bem impressiva!
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