terça-feira, 25 de fevereiro de 2020


Exibicionismos grotescos...


Passa nas televisões espanholas uma publicidade divertida a uma marca de carros sonante, onde um “José Lopez” qualquer aparece no stand com um carrito vulgar e, à saída, conduzindo um carrão, já exibe o nome de “D. José Lopez dos Santos Montijo de la Concepción Ferrera”.  Assim também ”Félix Ventura”, o vendedor de passados do livro de Agualusa, se dedica a inventar passados ilustres para as figuras “pimba” que constituem as elites angolanas, que pagam o que for preciso para ter um nome que faça figura! Transcrevo abaixo um pequeno trecho:

 
“O ministro suspendeu a respiração, ansioso, enquanto o meu amigo lhe declamava a genealogia: “Este é o seu avô paterno, Alexandre Torres dos Santos Correia de Sá e Benevides, descendente em linha directa de Salvador Correia de Sá e Benevides, ilustre carioca que em 1648 libertou Luanda do domínio holandês...”

“Salvador Correia, o gajo que deu o nome ao liceu?”
“Esse mesmo”.  “Julguei que era um tuga.  Algum político lá da metrópole, ou um colono qualquer, porque mudaram então o nome do liceu para Mutu Ya Kevela?”
“Porque queriam um herói angolano, suponho, naquela época precisávamos de heróis como de pão para a boca. Se quiser ainda lhe posso arranjar outro avô. Consigo documentos provando que você descende do próprio Mutu Ya Kevela, de N´Gola Kiluange, até mesmo da rainha Ginga. Prefere?”

“Não, não, fico com o brasileiro. O gajo era rico?” 
“Muito rico. Era primo de Estácio de Sá, fundador do Rio de Janeiro, que teve um triste destino, coitado, os índios tamoios acertaram-lhe com uma flecha envenenada em pleno rosto. Mas, enfim, o que lhe interessa saber é que durante os anos em que permaneceu aqui, governando esta nossa cidade, Salvador Correia conheceu uma senhora angolense, Estefânia, filha de um dos mais prósperos escravocratas daquela época, Filipe Pereira Torres dos Santos, apaixonou-se por ela, e desse amor... um amor ilícito, desde já esclareço, pois o governador era um homem casado..., desse amor nasceram três rapazes. Tenho aqui a árvore genealógica, veja, é um objecto de arte.

O ministro estava assombrado: “Maravilha!”  Estava indignado:  “Porra! Quem teve a estúpida ideia de mudar o nome do liceu?!  Um homem que expulsou os colonialistas holandeses, um combatente internacionalista de um país irmão, um afro-ascendente, que deu origem a uma das mais importantes famílias deste país, a minha. Quero que o liceu volte a chamar-se Salvador Correia  e lutarei por isso com todas as minhas forças.Vou mandar fazer uma estátua do meu avô para colocar à entrada do edifício. Uma estátua bem grande, em bronze, sobre um bloco de mármore branco. Salvador Correia, a cavalo, com uma espada maior que a do Afonso Henriques”.


Nota - Transcrito do livro anexo por
Amândio G. Martins

1 comentário:

  1. Dantes, estas atitudes possidónias irritavam-me, mas agora acho-as somente uma "bacoquice". Claro que excerto é "ficção" em Angola, que comporta uma ironia política acerada aos cleptocratas "distintos" que detinham o poder.

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