És grande, quando não és mesquinho...
“Mas, então, eu não sou nada? Parece que não me reconheces
um único traço positivo! Afinal, que diabo, trabalho que me farto, sustento a
minha família, levo uma vida decente e sirvo o meu país. Não posso ser tão
estupor quanto isso”.
-Sei que és uma criatura capaz, com qualidades de trabalho. Tudo
o que tentei foi pôr-te à mostra no que tens de medíocre e te destrói a vida há
já milhares de anos. És grande, Zé ninguém, quando não és medíocre e mesquinho.
És grande, Zé ninguém, quando cantas as antigas canções do
teu povo ou danças ao som do acordeão, porque os cantos do povo são pacíficos,
e são-no em todas as línguas do mundo. E és grande quando afirmas ao teu amigo:
“Ainda bem que o destino me concedeu até hoje uma vida limpa e sem ambições,
que pude acompanhar o crescimento dos meus filhos, ouvir-lhes o palrar das
primeiras palavras, vê-los andar, brincar, fazer perguntas, ainda bem que não
deixei passar a Primavera sem a sentir; que não perdi o meu tempo em mexericos
com os vizinhos; ainda bem que, mesmo em tempo de perturbação, não perdi o
norte nem o sentido da vida.
E me foi possível escutar a voz que murmurava no meu íntimo:
“Existe apenas uma única coisa que vale a pena, viver bem e alegremente a vida.
Escuta a voz do teu coração, ainda que tenhas de afastar-te do caminho trilhado
pelos timoratos. E não consintas que o sofrimento te torne duro e amargo”.
E assim, na quietude do caír da tarde, quando me sento na
erva em frente da minha casa, depois de um dia de trabalho, oiço no pulsar da
natureza à minha volta a melodia do futuro. E desejaria então que a vida
aprendesse a defender os seus direitos, que fosse possível modificar os espíritos
duros e medrosos, que só fazem troar os canhões porque a vida os desapontou. E
quando o meu filho instalado no meu colo me pergunta: “Pai, o Sol desapareceu,
para onde foi, achas que volta depressa”, responde-lhe: “Sim, filho, há-de
voltar amanhã para nos aquecer”.
Nota – transcrito do livro anexo.
Amândio G. Martins
Excelente livro!
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