quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A "ramona"

Caros amigos, a propósito do comovente testemunho "rabiscos" do senhor Francisco Ramalho, e para mostrar aos mais novos que aquela vergonhosa violência e humilhação
contra as gentes do povo,eram infelizmente, muito frequentes, decidi, também eu, contar aqui, algo que se passou comigo, era eu, uma criança de oito anos.
Então, aqui vai:

                                    " ramona "
Corria o ano de 1953 e lá andava eu agarrado ao avental da minha querida Mãe que, lá ia, calcorreando ruas, e avenidas para ganhar a vida como "vendedeira" ambulante de fruta. Porém, para atender as senhoras (assim chama-vamos ás clientes), era preciso parar-mos numa qualquer rua ou passeio da cidade, para pesar a fruta e receber o dinheiro da cliente. Só que um dia, estávamos nós parados (na avenida 5 de Outubro) perto do Saldanha,  a atender uma senhora, quando bruscamente surge a "ramona" da policia, e saltam lá de dentro, dois policias que, agarram em nós (Mãe e filho), e na alcofa que continha a fruta para venda, para levar tudo de "charola" para dentro da "ramona" a caminho da esquadra do Campo Grande. Claro, que a minha reacção perante a atitude dos policias, foi de imediato pânico e medo, e como tal, desatei a chorar sem parar, aterrorizado com a brutalidade da minha prisão e da prisão da minha querida Mãe, durante o caminho para a esquadra, com a pobre da minha Mãe a tentar acalmar-me,embora, também ela, já com a lágrima no olho, talvez pelo prejuízo que representava o confisco da" venda", mas mais por ver o meu sofrimento. Mas, eis que de repente, e ao chegar-mos junto aos terrenos onde mais tarde implantaram a Feira Popular de Lisboa, que a " ramona " interrompe a sua marcha para nos libertar, embora ficando em seu poder a alcofa  que continha a nossa " venda" e que representava o nosso ganha pão daquele dia, que nunca mais esqueci, nem esquecerei durante toda a minha vida, porque naquele dia, eu tinha descoberto que afinal, a policia não prendia só malfeitores mas também crianças e gente que trabalhava honradamente.


PS: vejam o absurdo da lei de então, que regulamentava a actividade dos " vendedores ambulantes. Ou seja, a licença de vendedor era passada aos interessados (vendedores) mas estes, não podiam parar para a venda e pesagem dos produtos que pretendiam vender. Daí a permanente perseguição da policia aos vendedores ambulantes e que acabava muita vez com o vendedor levado para a esquadra, passar lá ás vezes uma noite, pagar uma  multa de oitenta escudos e cinquenta centavos, se quisessem não pagar a multa com uns dias de prisão.

Por último, este meu testemunho dedico-o a todas as crianças que como eu e ( assim também ao amigo Francisco Ramalho) sofreram a violência das leis de um Estado hipócrita e fascista, que tão mal tratava o seu povo. E tudo isto, diziam eles " a bem da Nação ".

Arlindo de Jesus Costa, 9 de Setembro de 2015.

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