Na guerra de Solnado, um único avião era partilhado com o
inimigo. Uns bombardeavam às segundas, quartas e sextas e os outros às terças,
quintas e sábados. O Médio Oriente é um pouco semelhante, mas em drama. No
Iémen, o Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) é combatido pelo Ocidente e
Monarquias do Golfo uns dias. Nos outros dias, a coligação sunita liderada pela
Arábia Saudita, com o apoio tácito dos ocidentais, bombardeia os houthis
xiitas, deixando o AQPA ocupar o terreno “libertado”, desestruturado. A Turquia
tanto ataca o chamado estado Islâmico (EI) na Síria, como os curdos no Iraque,
principais opositores ao EI no terreno…
Meio mundo ficou chocado com a imagem da criança síria morta
que deu à costa na Turquia. Aylan evoca todas as outras crianças mortas
afogadas no Mediterrâneo e merece certamente a nossa compaixão. No entanto, de
há mais de um ano para cá, milhares de Aylan foram mortos pelos
bombardeamentos, viram os seus pais serem barbaramente assassinados, as suas
mães violadas e as suas irmãs vendidas para escravas sexuais. Com esta dimensão
e duração, isto choca (deveria) muito mais do que um simples corpo, com todo o
respeito pelo mesmo e pela sua família, que somos todos nós.
O que se passa na Síria não é consequência de um terramoto
ou marmoto. É uma guerra provocada pelas potências regionais. O abjeto EI não
existe apenas por simples loucura de um bando de fanáticos. Como conseguem
manter um exército operacional durante tanto tempo, se nada ali se produz? Quem
são os cúmplices desta abjeção?
Muitas vozes pedem mais solidariedade e acolhimento sem
restrições, mas que dirão se virem nascer uma periferia de Damasco nas
traseiras das suas casas? A capacidade de acolhimento da Europa é limitada,
tanto do ponto de vista económico, como cultural, este com efeito a mais longo
prazo. Se a pressão não for limitada à escala tolerada pelas populações, a
consequência será o agravamento da xenofobia e transferir para a Europa metade
da população da Síria, Iémen, Líbia e Afeganistão é irrealista, excluindo
naturalmente os simples migrantes económicos.
As primeiras páginas deveriam mostrar, todos os dias, os
milhares de Aylan que sofrem na Síria, lado a lado com as caras sorridentes dos
negócios fechados por aqueles lados fechados.
Continuar a permitir/tolerar e a participar direta ou
indiretamente em guerras às segundas, quartas e sextas e lamentar a sorte dos
refugiados às terças, quintas e sábados é comédia, de mau gosto!
Carlos J F Sampaio
(Público, 9-9-2015)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarConcordo parcialmente com o companheiro Senhor Carlos Sampaio." ... pelas potências regionais" Algumas!Incluindo Israel. E o chefe da orquestra(EUA)? Então não pretende desde há tanto tempo derrubar o actual governo sírio? Armando e financiando a oposição moderada(?) E quem destruiu o Iraque e a Líbia? A grande ameaça à paz mundial, é a ambição hegemónica da hiper-potência e dos seus aliados. Até para preservarem o sistema capitalista que atingiu o auge e está em declínio.
ResponderEliminarCaro Francisco Ramalho
ResponderEliminarAs potencias regionais são as monarquias do golfo, a Turquia e o Irão.
Israel está quieto a ver passar. Ninguém se mete com eles nem eles se metem neste conflito.
Os EUA aliados tradicionais da Arábia Saudita até deram uma mão forte ao Irão recentemente.
Quem lançou e alimenta a guerra na Síria é o eixo vertical sunita Golfo - Turquia contra o eixo horizontal xiita Irão - Síria
Não se trata de um problema do sistema capitalista mas sim do mundo muçulmano.
O que lamento é que parte do nosso mundo, incluindo a França socialista, continue a fazer negócios por lá, armamento e não só.
Olha, olha, uma análise sóbria por parte de um escriba do Al-Público! Estou impressionado!
ResponderEliminarNão é apenas um problema entre xiitas e sunitas. Os EUA estão sempre presentes apoiando uma das partes .Ali, como na Ucrânia, por exemplo, ou por iniciativa própria, como no Afeganistão ou no Iraque. E a sua pretensão hegemónica,visa não só com o controlo geo-estratégico,de matérias-primas essenciais e, como digo,até a preservação do sistema.
ResponderEliminar