domingo, 6 de setembro de 2015

DAS RAÇAS

                              RACISMO E ANTI-RACISMO

Antes de ser uma injustiça, um erro e um pecado, o racismo é uma solene e saloia idiotice. E o anti-racismo costuma ser outra. Tudo o que seja fazer da raça uma problemática social é tão sério como lutar pelo azul contra o amarelo ou defender apaixonadamente a igualdade das cores.
Muito temos a aprender com os miúdos das barracas, embora, à primeira vista, nos possam escandalizar. – “Olha o black”! Divertem-se os escurinhos cabo-verdianos ao descobrirem outro negro na zona. A qualquer coisa acham graça. No futebol formam grupos rácicos. Um estudante que dá catequese  num bairro de lata esforça-se inutilmente por que joguem misturados. Mas, quando falta equipamento desportivo, que melhor camisola do que a pele? – “Aqui não há pretos nem brancos”, berra-lhes contra toda a evidência. Eles encolhem os ombros e continuam na mesma. Que lhes interessa aquele prurido de igualdades? Tem algum mal ser preto ou branco?
Os mocitos dão-se bem e espancam-se uns aos outros sem discriminação racial. Para a brincadeira, a pancadaria ou a ajuda mútua, a raça não tira nem põe. Para eles, gente é gente, seja de que raça for. Só que têm olhos na cara e não confundem preto com branco. Ou julgamos que são cegos?
Esta simplicidade de trato não tende a manter-se, é verdade. A pouco e pouco, vão notando que à diferença da pele costumam notar-se outras diferenças, mais profundas, de mentalidade e estatuto social. E aquilo que era um risco superficial, tende a abrir-se em fenda, fosso, abismo, trincheira… Efectivamente, é preciso insistir na igualdade humana e extraír daí todas as consequências práticas. Mas sem caírmos em dois vícios opostos de um anti-racismo primário: o de se negar a realidade evidente das raças com a sua conotação com diversas culturas e o de privilegiar grupos étnicos por compensação de antigas injustiças.
Ambas as atitudes acabam por fazer girar a vida social ao redor de um aspecto secundaríssimo da pessoa humana, que não pode ser esquecido nem empolado. E daí que o anti-racismo militante costuma ir dar a becos sem saída: defender os índios ou tratá-los como toda a gente? Cultivar a “negritude”ou o progresso comum dos cidadãos? Respeitar a nação cigana ou integrá-la na sociedade? Manter sagradas etnias ou permitir que sejam assimiladas umas pelas outras? Quando se faz da raça um problema, não há solução, porque, de facto, não há problema.
O melhor anti-racismo consistirá em não fazer da raça uma questão. O essencial do homem está na sua liberdade.Esse é o verdadeiro núcleo da vida social: a eminente dignidade da pessoa humana. O tom da epiderme, a forma do crânio, a estrutura do cabelo, são irrelevantes.
Os povos, as nações, as culturas não podem ser definidas pela cor dos seus membros. Quando isso acontece degradam-se, tornam-se desumanas, esquizofrénicas. Se um homem de raça chinesa é nascido e criado na Nigéria, com que direito o considerarão estrangeiro?. Serão legítimas certas leis de imigração, mas, uma vez acolhida a pessoa – e mais ainda se for lá nascida -, tem de gozar de todas as regalias comuns. Ainda que o de raça diferente se multiplique por mil ou por milhões e ainda que estes possam transtornar a cultura ancestral daquele povo, não há direito de expulsá-lo nem de fechar-lhe âmbitos de actividade. Ninguém pode ser castigado pela sua cultura e muito menos pela tez que recebeu dos seus pais.
Uma cultura nacional constitui sempre uma riqueza, mas não pode sobreviver à custa dos direitos humanos, pois passaria a ser uma anticultura.
O verdadeiro sentido de igualdade requer por vezes um esforço interior muito custoso, equivalente a uma profunda conversão, e que pode exigir verdadeira heroicidade pessoal e colectiva: o sincero desprendimento de hábitos e convenções sociais, talvez o sacrifício de certo bem-estar económico, ou de certo ambiente cultural, a própria mudança de algumas referências históricas.
Se não estamos dispostos a isso, não nos arroguemos o título de não-racistas.

NOTA – Este texto é de monsenhor Hugo de Azevedo,  Doutor em Direito Comparado e Direito Canónico e foi publicado pelo Jornal de Notícias.


Trancrito por Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Olá, senhor Cabral. Uma explicação necessária: Perante tanta inanidade que, um pouco por todo o lado, nos aparece pela frente, eu recorro com frequência a textos "antigos" por tratarem com sabedoria, a meu ver, temas sempre actuais.
    Mas já houve quem não resistisse a destilar o seu veneno contra este procedimento... Enfim, resquícios dos tempos do lavadouro público. Baste a quem basta o que lhe basta o bastante de lhe bastar.

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