RACISMO E
ANTI-RACISMO
Antes de ser
uma injustiça, um erro e um pecado, o racismo é uma solene e saloia idiotice. E
o anti-racismo costuma ser outra. Tudo o que seja fazer da raça uma problemática
social é tão sério como lutar pelo azul contra o amarelo ou defender
apaixonadamente a igualdade das cores.
Muito temos a
aprender com os miúdos das barracas, embora, à primeira vista, nos possam
escandalizar. – “Olha o black”! Divertem-se os escurinhos cabo-verdianos ao
descobrirem outro negro na zona. A qualquer coisa acham graça. No futebol
formam grupos rácicos. Um estudante que dá catequese num bairro de lata esforça-se inutilmente por
que joguem misturados. Mas, quando falta equipamento desportivo, que melhor
camisola do que a pele? – “Aqui não há pretos nem brancos”, berra-lhes contra
toda a evidência. Eles encolhem os ombros e continuam na mesma. Que lhes
interessa aquele prurido de igualdades? Tem algum mal ser preto ou branco?
Os mocitos dão-se
bem e espancam-se uns aos outros sem discriminação racial. Para a brincadeira,
a pancadaria ou a ajuda mútua, a raça não tira nem põe. Para eles, gente é
gente, seja de que raça for. Só que têm olhos na cara e não confundem preto com
branco. Ou julgamos que são cegos?
Esta
simplicidade de trato não tende a manter-se, é verdade. A pouco e pouco, vão
notando que à diferença da pele costumam notar-se outras diferenças, mais
profundas, de mentalidade e estatuto social. E aquilo que era um risco
superficial, tende a abrir-se em fenda, fosso, abismo, trincheira…
Efectivamente, é preciso insistir na igualdade humana e extraír daí todas as
consequências práticas. Mas sem caírmos em dois vícios opostos de um
anti-racismo primário: o de se negar a realidade evidente das raças com a sua
conotação com diversas culturas e o de privilegiar grupos étnicos por compensação
de antigas injustiças.
Ambas as
atitudes acabam por fazer girar a vida social ao redor de um aspecto secundaríssimo
da pessoa humana, que não pode ser esquecido nem empolado. E daí que o
anti-racismo militante costuma ir dar a becos sem saída: defender os índios ou
tratá-los como toda a gente? Cultivar a “negritude”ou o progresso comum dos
cidadãos? Respeitar a nação cigana ou integrá-la na sociedade? Manter sagradas
etnias ou permitir que sejam assimiladas umas pelas outras? Quando se faz da
raça um problema, não há solução, porque, de facto, não há problema.
O melhor
anti-racismo consistirá em não fazer da raça uma questão. O essencial do homem
está na sua liberdade.Esse é o verdadeiro núcleo da vida social: a eminente
dignidade da pessoa humana. O tom da epiderme, a forma do crânio, a estrutura
do cabelo, são irrelevantes.
Os povos, as
nações, as culturas não podem ser definidas pela cor dos seus membros. Quando isso
acontece degradam-se, tornam-se desumanas, esquizofrénicas. Se um homem de raça
chinesa é nascido e criado na Nigéria, com que direito o considerarão estrangeiro?.
Serão legítimas certas leis de imigração, mas, uma vez acolhida a pessoa – e mais
ainda se for lá nascida -, tem de gozar de todas as regalias comuns. Ainda que
o de raça diferente se multiplique por mil ou por milhões e ainda que estes
possam transtornar a cultura ancestral daquele povo, não há direito de expulsá-lo
nem de fechar-lhe âmbitos de actividade. Ninguém pode ser castigado pela sua
cultura e muito menos pela tez que recebeu dos seus pais.
Uma cultura
nacional constitui sempre uma riqueza, mas não pode sobreviver à custa dos
direitos humanos, pois passaria a ser uma anticultura.
O verdadeiro
sentido de igualdade requer por vezes um esforço interior muito custoso,
equivalente a uma profunda conversão, e que pode exigir verdadeira heroicidade
pessoal e colectiva: o sincero desprendimento de hábitos e convenções sociais,
talvez o sacrifício de certo bem-estar económico, ou de certo ambiente
cultural, a própria mudança de algumas referências históricas.
Se não
estamos dispostos a isso, não nos arroguemos o título de não-racistas.
NOTA – Este texto
é de monsenhor Hugo de Azevedo, Doutor
em Direito Comparado e Direito Canónico e foi publicado pelo Jornal de Notícias.
Trancrito por
Amândio G. Martins
Excelente. Obrigado pela publicação.
ResponderEliminarOlá, senhor Cabral. Uma explicação necessária: Perante tanta inanidade que, um pouco por todo o lado, nos aparece pela frente, eu recorro com frequência a textos "antigos" por tratarem com sabedoria, a meu ver, temas sempre actuais.
ResponderEliminarMas já houve quem não resistisse a destilar o seu veneno contra este procedimento... Enfim, resquícios dos tempos do lavadouro público. Baste a quem basta o que lhe basta o bastante de lhe bastar.