sexta-feira, 4 de setembro de 2015

TODOS IGUAIS

SÓ O ENCONTRO DAS DIFERENÇAS É REALMENTE CRIADOR
Segundo o rabino Loew, uma das figuras mais interessantes do humanismo da Europa Central, a contrariedade – ou a oposição e o choque das diferenças – constitui a mola do movimento espiritual, a tensão que empurra o mundo e os homens para a frente. É Andre Neher quem o diz, num excelente livro que já aqui referi: Para ele, “a contrariedade representa a fonte e a raíz da comunicação. Sem essa, os seres permaneceriam fechados sobre si, numa indiferença total e perene: cada ser morreria para o outro e consumiria a própria vida sem se preocupar com a vida do próximo. Somente a contrariedade cria a comunicação. Afirmando a diferença dos seres, impossibilita, neles, a indiferença”. Isto terá constatado o rabino Loew, há quatrocentos anos, quando o homem procurava recuperar a sua imagem e dignidade. Antes, Pico della Mirandola – camarada da mesma luta resgatadora – colocava, na boca de Deus, que se dirigia ao homem, as seguintes palavras: “Não te criei nem celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu mesmo, livre e soberano, te plasmasses e te esculpisses na forma que escolhesses – forma única, irrepetível, singular. Cada homem, ele próprio, diferente. E o confronto das diferenças leva ao embate que impede a indiferença e origina a comunicação criadora. Hoje, ser diferente é considerado um crime; ao homem, pede-se-lhe que se anule num modo uniformizado de conduta.
Passados quatrocentos anos e no fim do século, à liberdade prefere-se a submissão; à aventura, o entorpecimento; à descoberta, a estagnação. Ao homem é aconselhada a mediocridade, a tibieza, a desistência. Ele deve resignar-se a não ser ele próprio; deve enterrar os sonhos; deve afogar os movimentos íntimos que o empurrem para fora da vala comum – da chateza convencionada. E, no entanto, depois deste tempo todo, como pode sobreviver a avestruz? Como se pode ignorar que a estabilidade é, por natureza, podre e a mudança, obviamente, fecunda? A mudança é o diálogo, a abertura ao outro, a reconsideração de todas as certezas. Por que se receia tanto o outro, o diferente? Talvez porque se aprenderam, também, as artes da impostura – e o outro, o contrário, representa, sempre, um desafio, uma exigência de claridade.
Ganha espaço a nova intolerância – ou a nova inquisição. A ninguém é reconhecido o direito à diferença. Os “diferentes” que vivam entre si, à parte. Em novos guetos, não é verdade? Em novos campos de concentração, não é verdade? E, de preferência, que se identifiquem, que usem uma estrela amarela, à maneira dos judeus, nos anos nazistas… E que procurem afastar-se das nossas cidades, das nossas ruas, das nossas casas – que não perturbem a pacata mediania em que arrastamos o quotidiano certinho das formigas desasadas. Há os “diferentes” mais evidentes: os de outra cor, os homosexuais, os drogados, as prostitutas – e nesses pensava, agora, quando lembrei os guetos e os campos de concentração. Para eles, não reclamam, ainda, uma nova “solução final”, os afobados defensores da pureza amoral – a exclusão é uma amoralidade – porque ainda não se atrevem ou se envergonham. Já alguns, porém, o fazem, preconizando milícias de limpeza… E organizando-as, e actuando..
Referimos casos extremos de rejeição do outro e os dois últimos exemplos constituem graves problemas sociais, graves dramas sociais. Não se resolvem, no entanto, os problemas, os dramas, os males sociais, através da eliminação física dos protagonistas ou da sua concentração em lazaretos. E, casos extremos que sejam, ilustram o culto da indiferença social, do egoísmo e da eterofobia, aparentemente apanágio do fim do século.
                                            ///…///
NOTA – Perante coisas realmente chocantes que tenho lido neste espaço, relacionado com o êxodo de centenas de milhar de seres humanos como eu, leio neste texto de Manuel Poppe uma brisa refrescante…
Transcrito por Amândio G. Martins



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