SÓ O ENCONTRO
DAS DIFERENÇAS É REALMENTE CRIADOR
Segundo o
rabino Loew, uma das figuras mais interessantes do humanismo da Europa Central,
a contrariedade – ou a oposição e o choque das diferenças – constitui a mola do
movimento espiritual, a tensão que empurra o mundo e os homens para a frente. É
Andre Neher quem o diz, num excelente livro que já aqui referi: Para ele, “a
contrariedade representa a fonte e a raíz da comunicação. Sem essa, os seres
permaneceriam fechados sobre si, numa indiferença total e perene: cada ser
morreria para o outro e consumiria a própria vida sem se preocupar com a vida
do próximo. Somente a contrariedade cria a comunicação. Afirmando a diferença
dos seres, impossibilita, neles, a indiferença”. Isto terá constatado o rabino
Loew, há quatrocentos anos, quando o homem procurava recuperar a sua imagem e
dignidade. Antes, Pico della Mirandola – camarada da mesma luta resgatadora –
colocava, na boca de Deus, que se dirigia ao homem, as seguintes palavras: “Não
te criei nem celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu
mesmo, livre e soberano, te plasmasses e te esculpisses na forma que
escolhesses – forma única, irrepetível, singular. Cada homem, ele próprio,
diferente. E o confronto das diferenças leva ao embate que impede a indiferença
e origina a comunicação criadora. Hoje, ser diferente é considerado um crime;
ao homem, pede-se-lhe que se anule num modo uniformizado de conduta.
Passados
quatrocentos anos e no fim do século, à liberdade prefere-se a submissão; à
aventura, o entorpecimento; à descoberta, a estagnação. Ao homem é aconselhada
a mediocridade, a tibieza, a desistência. Ele deve resignar-se a não ser ele próprio;
deve enterrar os sonhos; deve afogar os movimentos íntimos que o empurrem para fora
da vala comum – da chateza convencionada. E, no entanto, depois deste tempo
todo, como pode sobreviver a avestruz? Como se pode ignorar que a estabilidade é,
por natureza, podre e a mudança, obviamente, fecunda? A mudança é o diálogo, a
abertura ao outro, a reconsideração de todas as certezas. Por que se receia
tanto o outro, o diferente? Talvez porque se aprenderam, também, as artes da
impostura – e o outro, o contrário, representa, sempre, um desafio, uma exigência
de claridade.
Ganha espaço
a nova intolerância – ou a nova inquisição. A ninguém é reconhecido o direito à
diferença. Os “diferentes” que vivam entre si, à parte. Em novos guetos, não é
verdade? Em novos campos de concentração, não é verdade? E, de preferência, que
se identifiquem, que usem uma estrela amarela, à maneira dos judeus, nos anos
nazistas… E que procurem afastar-se das nossas cidades, das nossas ruas, das
nossas casas – que não perturbem a pacata mediania em que arrastamos o
quotidiano certinho das formigas desasadas. Há os “diferentes” mais evidentes:
os de outra cor, os homosexuais, os drogados, as prostitutas – e nesses
pensava, agora, quando lembrei os guetos e os campos de concentração. Para
eles, não reclamam, ainda, uma nova “solução final”, os afobados defensores da
pureza amoral – a exclusão é uma amoralidade – porque ainda não se atrevem ou
se envergonham. Já alguns, porém, o fazem, preconizando milícias de limpeza… E
organizando-as, e actuando..
Referimos
casos extremos de rejeição do outro e os dois últimos exemplos constituem
graves problemas sociais, graves dramas sociais. Não se resolvem, no entanto,
os problemas, os dramas, os males sociais, através da eliminação física dos
protagonistas ou da sua concentração em lazaretos. E, casos extremos que sejam,
ilustram o culto da indiferença social, do egoísmo e da eterofobia,
aparentemente apanágio do fim do século.
///…///
NOTA –
Perante coisas realmente chocantes que tenho lido neste espaço, relacionado com
o êxodo de centenas de milhar de seres humanos como eu, leio neste texto de
Manuel Poppe uma brisa refrescante…
Transcrito
por Amândio G. Martins
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.