domingo, 22 de novembro de 2020

António Nobre

 

Viagens na minha terra

 

 

Às vezes, passo horas inteiras

Olhos fitos nestas braseiras,

Sonhando o tempo que lá vai;

E jornadeio em fantasia

Essas jornadas que eu fazia

Ao velho Douro, mais meu Pai.

 

Que pitoresca era a jornada!

Logo, ao subir da madrugada,

Prontos os dois para partir:

Adeus! Adeus! É curta a ausência,

Adeus! – rodava a diligência

Com campainhas a tinir!

 

E, dia e noite, aurora a aurora,

Por essa doida terra fora,

Cheia de Cor, de Luz, de Som,

Habituado à minha alcova

Em tudo eu via coisa nova,

Que bom era, meu Deus! que Bom!

 

Moinhos ao vento! Eiras! Solares!

Antepassados! Rios! Luares!

Tudo isso eu guardo, aqui ficou

A paisagem etérea e doce,

Depois do ventre que me trouxe,

A ti devo eu tudo que sou!

(...)

Ao sol, fulgura o oiro dos milhos!

Os lavradores mailos filhos

A terra estrumam, e depois

Os bois atrelam ao arado

E ouve-se além no descampado

Num ímpeto aos berros: - Eh! bois!

(...)

Que pena que faz ver os que ficam!

Pobres, humildes, não implicam,

Tiram com respeito o chapéu:

Outros, passando a nosso lado

Diziam: “Deus seja louvado!”

“Louvado seja”! dizia eu.

 

 

Transcrito por Amândio G. Martins

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