Quando ainda
muito criança, numa pequena cidade do interior do Brasil, lembro-me que havia
em um local de diversão, improvisada em uma casa vizinha da minha, que dentre
muitas atrações, oferecia uma, que era a
que realmente chamava a atenção dos moradores,
sugestivamente denominada de “cabeça sem corpo”. Consistia de uma mesa em que a pessoa introduzia a cabeça
numa abertura apropriada rodeada de algodão colorido com tinta vermelha, para
simular sangue, e que por um jogo de espelhos na parte inferior da mesa, dava
impressão que o corpo desaparecia.
Ao ver aquilo
pela primeira vez fiquei deveras impressionado; pela minha pouca idade não
podia conceber o que ali estava acontecendo, e para piorar aquela cabeça
supostamente desgarrada do corpo adivinhava o que o interlocutor indagava em outa
sala. Naquela noite não consegui dormir.
Posteriormente, fui levado ao local, onde pude perceber como
aquilo funcionava, inclusive o uso de
código pré-determinado para as adivinhações, com a promessa de não revelar o
segredo a ninguém. Mesmo após ter conhecido este truque,
bem engendrado para época, jamais
consegui tirar da minha mente o impacto daquela visão inicial.
Aquela mesma forte impressão de que
fui acometido anos atrás voltou a acontecer, agora em intensidade maior e
dentro do mundo realístico, quando me deparei com uma reportagem da
revista NewScientist, edição nº 3010,
de 25 de fevereiro de 2015, escrita por Helen Thomson,
dando conta de que o primeiro
transplante de cabeça humana pode acontecer em dois anos.
NewScientist é uma revista
inglesa sobre ciência, de periodicidade semanal, que noticia os
desenvolvimentos mais recentes das áreas científica, tecnológica
e filosófica, com destaque em todo tipo de inovações. Seus artigos são escritos
apenas no idioma inglês.
Pessoalmente faço uso da edição digital,
no site http://www.newscientist.com/, com tradução
direta e literal pelo Google.
A reportagem traz uma entrevista com
o renomado cirurgião italiano Sergio Canavero, do Grupo de Neuromodulação
Avançada de Turim, na Itália, onde ele pretende enxertar a cabeça de uma
pessoa no corpo de outra, afirmando que os últimos detalhes necessários
para concretizar a operação estão próximos de ser concluídos, sendo categórico
que a técnica não deve ser usada para fins cosméticos, e que a cabeça a ser trocada deve ser em um paciente com doença corporal grave, como
problemas cancerígenos ou degenerativos
nos músculos e nervos, e que o corpo a receber a nova cabeça deve ser de uma
pessoa que teve morte cerebral comprovada.
Conjuntamente com sua equipe ele planeja anunciar o projeto na conferência
anual da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos e neurológicos (AANOS-sigla
em inglês) em Annapolis, Maryland, USA, em junho próximo, e que
está ciente de que a proposta vai gerar
muita polêmica e que entraves éticos e religiosos podem ser uma grande
barreira. Devendo anunciar que os problemas das ligações arteriais já estão
resolvidos, faltando ainda estudos complementares para concluir a conexão
medular, onde ele pretende usar uma substância química com polietileno (polietilenoglicol)
e através de eletrodos especiais estimular
as novas conexões nervosas.
Canavero conclui, para que se tenha chance total de sucesso, o corte cirúrgico deve ser
devidamente planejado (contrário do que ocorre nas lesões por acidentes) e que
a cabeça escolhida, assim como o corpo, devem ser mantidos resfriados e
alimentados de oxigênio durante o decorrer do esperado longo procedimento, com
previsão de que o paciente, após o implante, falará quase que instantaneamente
com a mesma voz que tinha antes, porém o corpo deverá demorar cerca de um ano
para se acostumar com a nova cabeça, para isso deverá ser submetido a uma
pesada fisioterapia adaptadora.
O interessante que a denominação
usual e atual é que o transplante sempre leva o nome do órgão da pessoa que
teve morte cerebral (doador), no caso
então, deveria ser chamado de transplante de corpo e não de cabeça, como
assim designou o Dr. Canavero, motivado,
a meu ver, pela importância que a cabeça exerce no contexto
sistêmico do organismo humano.
O meio científico receia, com muita
razão, que as tradicionais entidades que sempre se opuseram ao avanço da
ciência ao longo de séculos, não medirão esforços para impedir este procedimento. O cenário é o mesmo que
antecedeu o transplante de coração, onde estas mesmas entidades interpuseram
todo tipo de obstáculos para sua concretização. Um dos argumentos usados é o
mesmo de sempre, que os sentimentos
personalíssimos seriam também transportados, o que não ocorreu no
transplante do coração e que agora com
certeza ocorrerá.
A ideia de implantação cabeça de um
corpo em outro não é recente, a própria revista
NewScientist lembrou, que uma tentativa similar foi testado em um macaco
nos idos de 1970, com relativo êxito. O
animal conseguiu respirar com ajuda de aparelhos, mas não podia se mover, pois
sua cabeça não havia sido conectada aos nervos medulares. O animal morreu em 10
dias devido à rejeição dos tecidos corporais.
Que este
esperado avanço da medicina tenha todo êxito planejado e que seja usado para o
bem das pessoas que anseiam por uma vida melhor, e que sejam aproveitadas
as cabeças de pessoas dotadas de brilhante inteligência, cujo corpos apresentam
um quadro degenerativo de músculos e nervos ou de órgãos crivados de câncer. Para que assim possam ter oportunidade de
retribuir para humanidade, com total plenitude, toda a suas pujantes e inovadoras ideias. Dentre eles, cito o
renomado físico Stephen Hawking, considerado a maior inteligência da
atualidade, que se acha preso a uma
cadeira de rodas totalmente imobilizado, e mesmo assim, de maneira precária,
escreve seus livros com o piscar dos
olhos, através de um sistema computorizado especialmente elaborado para ele.
Orivaldo ori@uol.com.br
Artigo publicado no jornal Diário da Manhã de Goiânia- Go , Brasil - no
dia 03/04/2015, no caderno
Opinião Pública pg. 6
- Site do jornal: http://www.dm.com.br/
Obs: Foi utilizado o português do Brasil
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