segunda-feira, 12 de outubro de 2015

MORRER NA PRAIA



São igualmente chocantes de incompreensíveis as fotografias de uma criança morta na rebentação suave das ondas numa praia mediterrânica, como a de um pescador que se agarra aos últimos minutos da sua vida, no casco do seu barco a naufragar, quase a chegar a casa, à entrada da barra do porto da Figueira da Foz.

A primeira imagem dilacera por se tratar de uma criança que morre sem viver, a segunda fere de doer, por dizer de um homem que se alapa a uma vida sofrida e dura e que se vê morrer sem que se resgate a tempo de continuar a viver.

O portador de voz da marinha, com chapéu acachapado na cabeça fala nos jornais de tudo e mais alguma coisa, não fala de nada; choram os chegados porque só lhes resta chorar, e aceitam na sua mansidão o pouco e tardio que foi feito; os jornalistas dão a notícia mas não fazem as perguntas essenciais; um dia destes, já amanhã, ninguém se vai lembrar desse incidente banal.

É assim a corrida frenética do tempo, todos ávidos de novidade e excitação, ninguém a exigir responsabilidades.

No entanto, o incomensurável horror de uma imagem injusta com um fim absurdo está na esquina da nossa casa, como no longínquo de um mediterrâneo.  


3 comentários:

  1. Como de costume, no momento certo o tema certo. Não são necessárias milhentas palavras, se as suficientes tiverem conteúdo. Mais uma vez, parabéns ao Luís.

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  2. Hoje, dia 15.10.2015, foi publicado, e muito bem, no jornal Público.

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