quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Regras do jogo

Parece haver uma grande aflição por este Portugal fora, ou pelo menos na opinião publicada. O partido vencedor das eleições pode não vir a formar governo! Compreendo que possa haver alguma admiração com a situação, mas o que se passa não é isso; o que se passa é que a definição que habitualmente se tem de partido vencedor está errada. Pensar no partido mais votado como "vencedor" é uma aproximação que simplifica uma situação de geometria potencialmente complexa. Essa é uma boa aproximação, de tal modo que tem funcionado desde que temos memória. No entanto a realidade do nosso sistema é que "vencedor" é quem consiga ter condições para formar governo, necessitando de apoio suficiente no Parlamento e da nomeação por parte do Presidente da República.

Constituição de 1911
(domínio público)
O Presidente não tem a menor obrigação de indigitar o líder do partido mais votado para primeiro-ministro. Nesse ponto a Constituição é simples e clara: "O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais." Se o desejo de quem a aprovou fosse outro, seria fácil escrever, por exemplo, que "O Primeiro-Ministro é o líder do partido ou coligação mais votado." Com normas complementares para o Presidente intervir apenas caso essa solução não resultasse.

Podemos sugerir outros sistemas, de facto eu sugeriria algumas alterações, mas este não é momento. Não se devem discutir regras a meio do jogo, sob risco de se cair no vazio legal, na arbitrariedade e eventualmente no caos.

Esta tendência de usar aproximações, e de fazer contas a gosto tem sido comum. A começar pelo Presidente da República. Somou os votos de PSD+CDS+PS e deduziu que os portugueses desejam a permanência na NATO e no Euro e daí extrapolou uma insinuação de que os outros partidos não podem portanto fazer parte de um governo. Ora a continuidade de Portugal nessas instituições internacionais está essencialmente garantida porque, precisamente, nem a maioria dos nossos representantes na Assembleia, nem o Presidente, aprovariam uma saída que fosse proposta por um eventual ministro dos negócios estrangeiros do PCP. Um acordo PS+BE+PCP+PEV certamente não passará por aí, o normal é acordarem em levar avante as política em que as suas propostas sejam próximas, deixando para mais tarde as restantes lutas de cada um. Além disso, contas pela negativa são fáceis de fazer noutros sentidos, desde logo a maioria dos portugueses votou nos partidos "anti-austeridade" logo, pelo mesmo raciocínio, estariam PSD+CDS excluídos de governar. Já só resta entregar o governo ao PAN? Não... que alguma outra soma negativa os excluiria.

A complicar mais a situação temos uma pobre cultura democrática. Estamos habituados a que a eleição seja, de facto, a eleição do ditador de turno. "Elege-se" o primeiro-ministro, este domina o partido, é mesmo quase o único a ser ouvido em debates e grandes entrevistas. A maioria no Parlamento demite-se da sua função fiscalizadora, por alinhamento com o líder; e, pior, demite-se da sua função legisladora, delegando-a no governo com constantes autorizações legislativas. Este não é um mal dos deputados ao Parlamento, é apenas o reflexo de uma fraca cidadania, em que muitos querem ou mandar ou aceitam ser mandados, desde que não lhe deem muito trabalho. Negociar, cooperar, é que não, isso dá trabalho. Nesta situação, em que a eleição do ditador de turno parece falhar, exigindo-se diálogo, o espanto e desconforto é generalizado.

2 comentários:

  1. "O superior interesse nacional", como diz Cavaco, deveria levá-lo a fazer uma leitura realista dos resultados. Se assim fizer, sabendo que é uma pura perda de tempo nomear o Coelho, passará a bola aos que oferecem condições para governar. Palpita-me, no entanto, que deve querer fazer a Esquerda averbar no "cadastro" a rejeição... Entretanto, que se lixe o "interesse nacional"! De resto, este interesse tê-lo-ia levado a marcar as eleições para junho ou julho, quando o Governo terminou o prazo legal, mas preferiu fazer o jogo dos da sua área ideológica, revelando, uma vez mais, o seu conceito de"independência".

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  2. O amigo Ricardo André, foi de uma objectividade absolutamente cristalina.

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