Imagine o leitor que o dono de uma propriedade constata que a mesma é sistematicamente mal lavrada. Se o dono fosse uma pessoa prudente e inteligente, a primeira coisa que faria, obviamente, seria avaliar a qualidade do tractorista e, se chegasse à conclusão de que a culpa era deste, substituía-o por outro. No entanto, se o dono fosse o Estado português, deitaria, de imediato, as culpas ao tractor, optando por ir trocando de tractores, sempre que ficasse descontente com o resultado da lavoura.
Esta é a principal razão por que qualquer reforma estrutural em Portugal está, inevitavelmente, condenada ao fracasso. É que não adianta mudar de tractor se o problema é do tractorista. Aliás, se o problema é do tractorista, mudar de tractor só vai piorar a situação, porque, como é evidente, um mau tractorista ainda piora o seu rendimento com uma máquina mais sofisticada e que desconhece.
Consequentemente, a grande reforma estrutural que o Governo devia levar a cabo era não fazer qualquer reforma estrutural, sem antes proceder à avaliação rigorosa dos tractoristas, dispensando os maus e admitindo bons. Só após este trabalho estaríamos em condições de avaliar o desempenho do tractor. Até porque não é inteligente mudar de tractor, se ainda não se retiraram dele todas as suas potencialidades. O mesmo se passa com as reformas estruturais.
Eu sei que isto é difícil de aceitar para um povo que vive toda a semana a sonhar com o que vai fazer, no fim-de-semana, quando lhe sair o “Euromilhões”. Os nossos comentadores, políticos, intelectuais, economistas, etc., no fundo, partilham do mesmo espírito. Também eles vivem na ilusão de que a próxima reforma estrutural é que vai mudar a nossa vida. Depois, a reforma anda à roda e não dá em nada. Mas, ainda na ressaca da desilusão, logo preenchem novo boletim, sugerindo uma nova reforma que os vai, de novo, manter iludidos até ao dia em que a mesma é implementada.
As reformas que estão para ser levadas a cabo na área da Justiça[1] são a prova provada disto mesmo. Quem ler a proposta do Governo não pode deixar de concordar com ela. Quem não gostaria que lhe saísse o “Euromilhões”? Mas, se for implementada, vai lançar o caos nos nossos tribunais, com a agravante de não ter qualquer hipótese de recuo, em caso de fracasso.
Uma reforma estrutural com esta dimensão exige não só que os magistrados e os funcionários judiciais estejam mobilizados e com a estima em alta como também que os maus funcionários já tenham sido eliminados do sistema. Pretender levar a cabo uma reforma com esta dimensão, retirando direitos e enxovalhando publicamente as pessoas que a vão levar a cabo e sem se preocupar com a sua qualidade e capacidade técnica, é o mesmo que querer que lhe saia a sorte grande sem jogar na lotaria. É impossível!
Não era mais prudente fazer reajustamentos num edifício que já se conhece (designadamente, fechar tribunais com pouca actividade, requalificar tribunais, dar alguma mobilidade aos magistrados e funcionários dentro dos actuais círculos judiciais, etc.), ao mesmo tempo que se levava a cabo uma verdadeira avaliação de todos os magistrados e funcionários judiciais?
Quanto aos advogados, é evidente que, se os tribunais funcionarem bem, o mercado fará a selecção natural. Como todos sabemos, só o peixe de má qualidade vive nas águas estagnadas.
Junho de 2007
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[1] Referia-me, designadamente, à reforma do mapa judiciário que acabou por só vir a ser implementada em 2014 pelo Governo PSD-CDS com os resultados trágicos conhecidos.
Os cidadãos responsáveis e atentos começam a viver sob uma pressão desmesurada devido aos problemas que se multiplicam diariamente neste país. De há uns anos a esta parte, temos sido governados por gente que domina os aparelhos partidários para desconhece a vida real do país, porque, de uma maneira geral, nunca trabalhou. Subiram colocando as bandeiras dos partidos nos mastros mais altos das sedes e ganhando espaços na competição política. Irresponsáveis muitos, mentirosos alguns, incompetentes todos. Como são muitos e estão acomodados no "arco do poder" é difícil desalojá-los. Só um milagre, ou um rebate colossal de consciências, poderá salvar este país.
ResponderEliminarQuem sabe, sabe, mas, na maioria das vezes, não é escutado.
ResponderEliminarNa segunda linha do meu comentário, onde escrevi "para", devia estar " mas". Contudo, com o desenvolver da ideia expressa acaba por se compreender a mensagem. As minhas desculpas pelo erro cometido.
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