CANÇÃO DUMA SOMBRA
Ah! se não fosse a névoa da manhã
E a velhinha janela, onde me vou
Debruçar, para ouvir a voz das cousas,
Eu não era o que sou.
Se não fosse esta fonte, que chorava,
E como nós cantava e que secou…
Este sol, que eu comungo, de joelhos,
Eu não era o que sou.
Ah! se não fosse este luar que chama
Os espectros à vida, e se infiltrou,
Como fluído mágico, em meu ser,
Eu não era o que sou.
E se a estrela da tarde não brilhasse;
E se não fosse o vento, que embalou
Meu coração e as núvens, nos meus braços,
Eu não era o que sou.
Ah! se não fosse a noite misteriosa
Que meus olhos de sombras povoou,
E de vozes sombrias meus ouvidos,
Eu não era o que sou.
Sem esta terra funda e fundo rio,
Que ergue as asas e sobe, em claro voo;
Sem estes ermos montes e arvoredos
Eu não era o que sou.
NOTA – Poema de Teixeira de Pascoais,
Transcrito por Amândio G. Martins
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