PADRE ANTÓNIO
VIEIRA
Nos anos que
precederam a nossa reentrada na democracia, na chamada “primavera marcellista”, a ligeira abertura que então houve encorajou
o aparecimento de cantores de intervenção, referenciados de forma algo
depreciativa por “baladeiros”, por aqueles a quem tal música não caía no goto,
mas também alguns humoristas da época, que surfavam a onda, os azucrinavam,
abusando da expressão “canto para comunicar”, que algum deles terá começado por
usar e depois se tornou “viral”, como agora se diz… Mas, obviamente, cantavam
para comunicar!
E um
extraordinário comunicador da língua portuguesa foi o grande jesuíta António
Vieira, que, por não ter papas na língua, se viu constrangido a ter que se
justificar perante a tenebrosa aberração que foi a chamada “Santa” Inquisição,
denunciado por tomar partido, no Brasil, contra a pesporrência com que o
colonizador atropelava os direitos dos nativos, verdadeiros donos da terra
invadida.
Desgraçadamente,
ontem como hoje, são os mesmos os podres que nos afligem:
“Consulta-se
em Conselho o lugar de um general, de um prelado, de um governador, de um
ministro. E o que sucede? Vota o conselheiro no parente, porque é parente; vota
o amigo, porquer é amigo; vota o recomendado, porque é recomendado. Os mais dignos
e competentes, porque não têm amigos, ficam de fora.
Oh! grande miséria!
Miserável é a república onde há tais votos; miseráveis são os povos onde mandam
ministros feitos desta maneira.”
Não dando
descanso àqueles dignitários da Igreja que se rodeavam de luxos,Vieira “mimava”
um deles desta maneira, a justificar-se perante Deus: “O que desperdiçou a
minha casa e a minha pessoa, foi para satisfazer aos olhos do vulgo, que só se
leva destes exteriores, e para conservar a autoridade do ofício e a veneração
da dignidade. E se contra os pecados dos grandes não me atrevi, foi porque os
seus poderes são inexpugnáveis”.
A GUERRA
É a guerra
aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto
mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre
que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um
momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade
composta de todas as calamidades em que não há mal algum que ou se não padeça,
ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: o pai não tem seguro o
filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o
nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o
religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não
está seguro.
Nota – Sermão
pregado em Lisboa em 1668. Com restantes citações transcritas por
Amândio G.
Martins
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