segunda-feira, 24 de agosto de 2015

CANTAMOS PARA COMUNICAR

                                  PADRE ANTÓNIO VIEIRA
Nos anos que precederam a nossa reentrada na democracia, na chamada “primavera marcellista”,  a ligeira abertura que então houve encorajou o aparecimento de cantores de intervenção, referenciados de forma algo depreciativa por “baladeiros”, por aqueles a quem tal música não caía no goto, mas também alguns humoristas da época, que surfavam a onda, os azucrinavam, abusando da expressão “canto para comunicar”, que algum deles terá começado por usar e depois se tornou “viral”, como agora se diz… Mas, obviamente, cantavam para comunicar!
E um extraordinário comunicador da língua portuguesa foi o grande jesuíta António Vieira, que, por não ter papas na língua, se viu constrangido a ter que se justificar perante a tenebrosa aberração que foi a chamada “Santa” Inquisição, denunciado por tomar partido, no Brasil, contra a pesporrência com que o colonizador atropelava os direitos dos nativos, verdadeiros donos da terra invadida.
Desgraçadamente, ontem como hoje, são os mesmos os podres que nos afligem:
“Consulta-se em Conselho o lugar de um general, de um prelado, de um governador, de um ministro. E o que sucede? Vota o conselheiro no parente, porque é parente; vota o amigo, porquer é amigo; vota o recomendado, porque é recomendado. Os mais dignos e competentes, porque não têm amigos, ficam de fora.
Oh! grande miséria! Miserável é a república onde há tais votos; miseráveis são os povos onde mandam ministros feitos desta maneira.”
Não dando descanso àqueles dignitários da Igreja que se rodeavam de luxos,Vieira “mimava” um deles desta maneira, a justificar-se perante Deus: “O que desperdiçou a minha casa e a minha pessoa, foi para satisfazer aos olhos do vulgo, que só se leva destes exteriores, e para conservar a autoridade do ofício e a veneração da dignidade. E se contra os pecados dos grandes não me atrevi, foi porque os seus poderes são inexpugnáveis”.
                                               A GUERRA
É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal algum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: o pai não tem seguro o filho; o rico não tem segura a fazenda; o pobre não tem seguro o seu suor; o nobre não tem segura a honra; o eclesiástico não tem segura a imunidade; o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.
Nota – Sermão pregado em Lisboa em 1668. Com restantes citações transcritas por
Amândio G. Martins


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