sábado, 22 de agosto de 2015

RECORDANDO FERNANDO PESSOA

RECORDANDO FERNANDO PESSOA

POEMA EM LINHA RECTA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tanta vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondívelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedindo emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
                           Zzzzzzzzzzz
PARA SER GRANDE, SÊ INTEIRO
Para ser grande, sê inteiro: nada
           Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
           No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
            Brilha, porque alta vive.

Nota – Transcrito por Amândio G. Martins


3 comentários:

  1. Este poema, POEMA EM LINHA RECTA, sob o heterónimo de Álvaro de Campos, tenho-o emoldurado sob a minha secretária de trabalho e ajudou-me muito a crescer. Bem escolhida a sua inserção neste blogue. Parabéns, porque é uma boa contribuição, num momento em que já apareceram alguns conflitos de opinião desnecessários neste blogue.

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  2. Obrigado, senhor Joaquim Tapadinhas, pela sua atenção. Quanto a um mais exacerbado confronto de ideias, que toca ao de leve, julgo que radica na tentação apologética em sobrelevar a dialética... Acho que não fazia mal termos presente aquele conselho que aprendi quando era rapaz, do Cancioneiro de Resende, se não estou em erro, que diz assim: "Seis coisas sempre vê/Quando falares, te mando: De quem falas, onde e quê/E a quem, como e quando". Amândio

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  3. Obrigado pela observação amiga feita ao meu comentário. Sempre que se lança a semente à terra é necessário ter em conta que espécie de semente utilizamos, e se a produção está de acordo com o terreno. Se não houver esse cuidado, todo o trabalho é vão. Um abraço lusitano.

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