quinta-feira, 8 de outubro de 2015

DURO DE ROER...

                         FERNANDO PESSOA ENSAISTA …
…As tónicas conclusões finais são três. A primeira é que para Portugal se prepara um ressurgimento assombroso, um período de criação literária e social como poucos o mundo tem tido. Durante o nosso raciocínio deve o leitor ter reparado que a analogia do nosso período é mais com o grande período inglês do que com o francês. Tudo indica, portanto, que o nosso será, como aquele, maximamente criador.
Paralelamente se conclui o breve aparecimento na nossa terra do tal supra-Camões. Supra-Camões? A frase é humilde e acanhada. A analogia impõe mais. Diga-se “de um Shakespeare” e dê-se por testemunha o raciocínio, já que não é citável o futuro. A segunda conclusão é que, tendo o movimento literário português nascido com e acompanhado o movimento republicano, é dentro do republicanismo, que está, e será, o glorioso futuro deduzido.
São duas fases do mesmo fenómeno criador. Fixemos isto: ser monárquico é, hoje, em Portugal, ser traidor à alma nacional e ao futuro da Pátria Portuguesa. A terceira conclusão é que o republicanismo que fará a glória da nossa terra e por quem novos elementos civilizacionais serão criados não é o actual, desnacionalizado, idiota e corrupto, do tripartido republicano.
De modo que é bom fixar isto também: que se ser monárquico é ser traidor à alma nacional, ser correlegionário do sr. Afonso Costa, do sr, Brito Camacho, ou do sr. António José de Almeida, assim como de vária horrorosa subgente sindicalística, socialística e outras coisas, representa paralela e equivalente traição. O espírito de tudo isso é absolutamente contrário do espírito da nova corrente literária. Tudo ali é importado do estrangeiro, tudo é sem elevação nem grandeza, popular com o que há de mais Mouraria na popularidade.                       (…)
Não nos admire que isto assim seja. (…) Conservemo-nos, por enquanto, absolutamente portugueses, rigidamente republicanos, intransigentemente inimigos do republicanismo actual. Brevemente começará a raiar nas nossas almas a intuição política do nosso futuro. Talvez o supra-Camões possa dizer alguma coisa sobre o assunto. Esperemos, que ele não se demora. Sabemos que o futuro será glorioso. Confiemos nele.
Por enquanto abstenhamo-nos de agir, a não ser negativamente, para combater, e apenas pela palavra e pelo escrito, os portugueses estrangeiros que nos desgovernam, e isso só se a indignação no-lo impuser como desabafo. A hora da acção ainda não chegou. Primeiro virá a teoria política da época. Depois virá o pô-la em prática. E quando a hora chegar, virá – não tenhamos dúvida – o homem de força que a imporá, eliminando os obstáculos, que são esta gente de agora, monárquicos e republicanos. Suavemente, se puder ser, será a transformação feita. Mas se esta gente de hoje não curar de se tornar portuguesa, confiemos que o Cromwell vindouro os saberá afastar, aplicando-lhes, por triste necessidade, a “ultima ratio” (…).
NOTA – Respigado de “A Nova Poesia Portuguesa”- Cadernos Culturais Inquérito, 1965. Artigos pela primeira vez publicados em 1912, na revista “Águia”, órgão da Renascença Portuguesa.
Transcrito por Amândio G. Martins




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