FERNANDO PESSOA ENSAISTA
…
…As tónicas
conclusões finais são três. A primeira é que para Portugal se prepara um
ressurgimento assombroso, um período de criação literária e social como poucos
o mundo tem tido. Durante o nosso raciocínio deve o leitor ter reparado que a
analogia do nosso período é mais com o grande período inglês do que com o
francês. Tudo indica, portanto, que o nosso será, como aquele, maximamente
criador.
Paralelamente
se conclui o breve aparecimento na nossa terra do tal supra-Camões.
Supra-Camões? A frase é humilde e acanhada. A analogia impõe mais. Diga-se “de
um Shakespeare” e dê-se por testemunha o raciocínio, já que não é citável o
futuro. A segunda conclusão é que, tendo o movimento literário português
nascido com e acompanhado o movimento republicano, é dentro do republicanismo,
que está, e será, o glorioso futuro deduzido.
São duas
fases do mesmo fenómeno criador. Fixemos isto: ser monárquico é, hoje, em
Portugal, ser traidor à alma nacional e ao futuro da Pátria Portuguesa. A
terceira conclusão é que o republicanismo que fará a glória da nossa terra e
por quem novos elementos civilizacionais serão criados não é o actual,
desnacionalizado, idiota e corrupto, do tripartido republicano.
De modo que é
bom fixar isto também: que se ser monárquico é ser traidor à alma nacional, ser
correlegionário do sr. Afonso Costa, do sr, Brito Camacho, ou do sr. António
José de Almeida, assim como de vária horrorosa subgente sindicalística, socialística
e outras coisas, representa paralela e equivalente traição. O espírito de tudo
isso é absolutamente contrário do espírito da nova corrente literária. Tudo ali
é importado do estrangeiro, tudo é sem elevação nem grandeza, popular com o que
há de mais Mouraria na popularidade. (…)
Não nos
admire que isto assim seja. (…) Conservemo-nos, por enquanto, absolutamente
portugueses, rigidamente republicanos, intransigentemente inimigos do
republicanismo actual. Brevemente começará a raiar nas nossas almas a intuição
política do nosso futuro. Talvez o supra-Camões possa dizer alguma coisa sobre
o assunto. Esperemos, que ele não se demora. Sabemos que o futuro será
glorioso. Confiemos nele.
Por enquanto
abstenhamo-nos de agir, a não ser negativamente, para combater, e apenas pela
palavra e pelo escrito, os portugueses estrangeiros que nos desgovernam, e isso
só se a indignação no-lo impuser como desabafo. A hora da acção ainda não
chegou. Primeiro virá a teoria política da época. Depois virá o pô-la em prática.
E quando a hora chegar, virá – não tenhamos dúvida – o homem de força que a
imporá, eliminando os obstáculos, que são esta gente de agora, monárquicos e
republicanos. Suavemente, se puder ser, será a transformação feita. Mas se esta
gente de hoje não curar de se tornar portuguesa, confiemos que o Cromwell
vindouro os saberá afastar, aplicando-lhes, por triste necessidade, a “ultima
ratio” (…).
NOTA – Respigado
de “A Nova Poesia Portuguesa”- Cadernos Culturais Inquérito, 1965. Artigos pela
primeira vez publicados em 1912, na revista “Águia”, órgão da Renascença
Portuguesa.
Transcrito
por Amândio G. Martins
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