segunda-feira, 5 de outubro de 2015

GRANDES AUTORES

                                                       SONHAR

A vida é boa quando de todo se perdeu e se tem pena de não se ter vivido, como a água dum rio, depois de haver chegado ao mar, chora por não apanhar mais sol e banhar mais raízes de árvores.
Custa a perdê-la, porque se tem sempre a esperança de se encontar um lugar, um momento, em que se construa a quimera; custa a perdê-la, pelo que está fora dela – o Sonho – como um tronco que arde e se extingue, tem-se pena de não se deitar mais labareda e de se não ser ainda brasido: por tudo o que se não realizou, por tudo o que se deixou fugir.
Quando se morre, o que se debate ainda dentro de nós com fúria – é a quimera. O que me custa a deixar não é o corpo, é a alma inquieta. Com  a morte agarrada a mim, porque é que cravo as unhas na vida, raivosamente ? Porque quero sonhar, tirar das coisas, das árvores, da luz, das flores, materiais para ilusões. Ao que cada um se prende é às suas aspirações, às suas penas e não à matéria e ao corpo!...
Morrer é não sentir, não ver, não ouvir, e o que custa não é perder tudo isto sempre igual, sempre a mesma coisa, deixar as pedras com que arquitectamos para além. Vêde: a vida aborrece, mas cada um guarda no seu íntimo a secreta esperança de realizar não sei o quê… Muitas vezes nem se sabe… E se a ilusão cai por terra, morta e inerte, fica sempre a aspiração de sonhar, a raiva de tecer mais doirado…
As mesmas acções, as mesmas cores, direis vós… Cá fora é certo, mas dentro o cenário muda: o cenário está em brasa. Queres ser rei ? Queres vingar-te ?... Sonha!

NOTA – Texto de Raul Brandão – “A Morte do Palhaço” – transcrito por

Amândio G. martins

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