Outrora, alimentava-se a ilusão de que a Terra fosse o centro do sistema planetário. Copérnico e outros astrônomos provaram o contrário, demonstrando que nosso planeta é apenas um corpúsculo, como tantos outros, a girar em torno de um dos bilhões de sóis de nossa galáxia. Era o fim do geocentrismo tão adorado pelos terráqueos orgulhosos e fanaticamente defendido pelo Tribunal da Inquisição, que perseguia tenazmente os novos pensadores, com os mais infames processos.
Nos meados do século 19, a ciência, através de Charles Darwin, revelou que o corpo do homem descende do macaco. Foi outro grande golpe no orgulho humano. Se o “santo” ofício inquisitorial ainda estivesse vigorando, certamente o cientista britânico teria sido condenado à fogueira.
Mais tarde, é um religioso e antropólogo francês, o padre jesuíta Pierre Treilhard de Chardin, falecido em 1955, que vem confirmar a revelação de Darwin, ao descobrir, em escavações próximas a Pequim, um esqueleto humano – o “Sinanthropus” (ou Homo Pekinensis) – que ficou considerado como elo de ligação entre os primatas e o corpo humano.
Segundo Chardin, em seu livro “O Fenômeno Humano” duramente combatido pelos teólogos de todas as igrejas cristãs, o homem inicia na matéria bruta (hilosfera), passa ao estágio vital (biosfera), atinge a etapa da inteligência (noosfera) e culmina no ápice da razão (logosfera), que é o encontro com sua essência espiritual.
Antes disso, outro insigne pensador francês, Leon Denis, discípulo de Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita, autor de “O Problema do Ser, do Destino e da Dor”, já havia proclamado, em palavras poéticas que o “ser dormita nas pedras, respira nos vegetais, sonha no animal e raciocina no homem”.
De acordo com a visão espírita, o ser primitivamente simples e ignorante criado por Deus, mas com toda a potencialidade evolutiva, é o espírito, o sopro divino, que estagia na rigidez de um corpo mineral; experimenta a sensibilidade na vestimenta de estrutura vegetal; movimenta-se na forma animal e desperta-se, intelectualmente, na indumentária hominal.
O emérito filósofo brasileiro e cientista Huberto Rohden, de quem tive a honra de ser aluno, falecido em 1981, que se tornou um livre pensador cristão depois de haver deixado a batina de religioso jesuíta e sacerdote secular, com formação nos mais avançados centros culturais da Europa, onde conviveu com o sábio cientista jesuíta Aluísio Gatterer e, mais tarde, nos Estados Unidos, com Alberto Einstein, esclarece que criação é início e evolução é continuação; daí o seu entendimento exposto no livro póstumo “Experiência Cósmica”, de que “não houve descontinuidade entre o último elo da cadeia animal e o primeiro elo da cadeia hominal” na corrente existencial; e, assim sendo, o corpo que revestiu o ser criado por Deus se formou e evoluiu no seio da natureza, sem qualquer componente extraordinário ou sobrenatural.
Para o professor Rohden, o ser humano veio através do animal, não do animal sem se confundir com este, tal como a água flui dentro do cano, mas não é cano e tampouco é causada por este, porquanto sua origem é a fonte.
Não se pode, pois, confundir corpo com espírito. Este último é um ser, e aquele, um ter. Em outras palavras somos um espírito e temos um corpo. Este é um veículo pelo qual aquele se manifesta. Eis aqui a resposta adequada para a antiga indagação da filosofia espiritualista do Oriente – “O que sou eu? – transposta para a filosofia ocidental na sentença de Sócrates —“Conheça-te a ti mesmo”.
A conhecida história da criação do homem, conforme a Gênese de Moisés no antigo testamento da Bíblia, é uma bela alegoria e por isso não pode ser interpretada ao pé da letra, a ponto de entender que o corpo humano tenha sido fruto de uma formação especial, afastada do encadeamento natural das coisas.
O símbolo que ali se vê—a criação do homem por força do sopro de Deus no pó da terra — significa que o princípio criador, ao introduzir o espírito (sopro) na matéria (pó) fez surgir o homem após um longo processo evolutivo, e da essência vital do homem, simbolizada na “costela”, criou-se a mulher.
Não houve, jamais, uma criação extraordinária do organismo humano. Este veio do pó da terra (mineral, vegetal, animal), no qual Deus lançou, à sua imagem e semelhança, a semente criadora do ser (o sopro divino), que vai aperfeiçoando, infinitamente, pelos séculos e milênios em sucessivas manifestações existenciais.
Não vale o argumento de que, se assim fosse, os animais já teriam desaparecido, porquanto já haveriam todos se tornado homens. Ora, é preciso compreender que a Terra é um planeta de pequena evolução moral e intelectual, daí a existência de muito espírito pouco evolvido a transitar pelos animais, que, por enquanto, são necessários para auxiliar a humanidade rude e orgulhosa, que, lamentavelmente, além de maltratá-los e lhes explorar o suor, ainda continua comendo sua carne, após matá-los cruelmente. Aliás, isso não deve causar espanto, pois, até pouco tempo, os nossos irmãos negros eram considerados sem almas e submetidos a uma bárbara escravidão.
Concluindo, é de se reconhecer que o preconceito e sobretudo o orgulho humano tantas vezes ferido pelas revelações científicas movem alguns setores religiosos e um grande número de pessoas no sentido errado da rejeição da verdade da evolução das formas corpóreas, como também, talvez um dia irão conduzi-los à não aceitação da existência de outras humanidades mais desenvolvidas que a nossa, noutros planetas, quando a própria ciência revelar tal realidade, afrontando a ilusória crendice de que homem da Terra seja o único ser inteligente do Universo. Os grandes sábios e o próprio Cristo nunca duvidaram da existência de outras humanidades. “No reino de meu Pai há muitas moradas”.
Tenhamos, portanto, olhos para ver e ouvidos para escutar. Ao contrário, ficamos na situação do sapo que morava num poço, o único por ele conhecido e ao ver outro sapo que ali chegou falando da grandeza do mar, chamou-o de mentiroso, dizendo não existir mais água do que aquelas da cisterna. Essa fábula está no livro de Huberto Rohden — “De Alma para Alma”.
Transcrevo aqui um sonetinho publicado no meu livro de poemas “Crepúsculo Vivo” — com versos de seis sílabas bem rimados nos tercetos e, em branco, ou com rimas toantes nas quadras.
No insondável abismo
do amor universal,
o senhor do universo,
criando sem cessar,
derrama pelo espaço
em multicoloridas
formas elementais
os átomos da vida.
Pedra... Planta... Animal...
Homem e anjo imortal
na aura de um serafim.
Eis a grande escalada
na eterna caminhada
em busca do sem fim