quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Fim de tudo

 

Vai tudo a eito...

 

 

Foi ontem enterrada a primeira pessoa desta aldeia que morreu infectada por covid; o Zé Rodrigues estava “proibido” de se deixar infectar, tal a soma de problemas de saúde que já carregava, só que este vírus, de tal forma insidioso, está onde menos se espera, e o “casa-nova”, como era conhecido, sabia disso, pelo que não facilitava nos cuidados, mas acabou por ser uma filha que, inadvertidamente, lhe levou para casa o “bicho”.

 

Assim, pelas mais diversas causas, que a morte traz sempre uma boa “desculpa”, a tertúlia dos “rapazes” do meu tempo está cada vez mais desfalcada; junto ao cemitério, aguardando que chegasse o carro fúnebre com o Zé, directamente da morgue para a última morada, para um último adeus, em curta cerimónia ao ar livre, comentava com o Manel “gaitas”: “Por este andar, Manel, não tarda nem temos com quem trocar umas larachas, enquanto não nos toca também”.

 

É que nos últimos anos foram-se o Amândio “carrascal”, o Baltasar "pontinha", o Cândido “caiador”, o Rui “cabral”, o Domingos “cerquinha”, o Manel “sanjoanes”, os Vaz, Manel e Zé, os Araújos, António e Álvaro, os cunhados Valentim e Avelino da Pena, o Zé “cabrito” e agora o Zé “casa-nova”... Ao António Araújo, que nunca se cruzava com alguém que não parasse para contar mais uma das suas, muitas vezes com barbas, quero pedir-lhe que, lá onde estiver, se atreva a repetir aquela das freiras, que lha devo ter ouvido “centenas” de vezes: um convento numa zona atingida pela guerra foi assaltado pela soldadesca esfomeda por sexo; levavam-nas todas mas poupavam a madre, já entradota, que se revoltou, não pelo que ia acontecer às suas protegidas, mas por se ver assim discriminada: “não é justo que me façam isso, guerra é guerra e eu também sirvo como as outras”...

 

 

Amândio G. Martins

2 comentários:

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