CONTO DE NATAL

O AMOR RENASCEU

Trabalhavam ambos, e para além do trabalho fora, havia o trabalho caseiro; dois filhos para educar, amparar, criar, a alimentação, o vestir e calçar, a escola.

Anos passados, a rotina, as dificuldades naturais de quem vive apenas do seu trabalho, os filhos,enfim... a vida com as suas contrariedades mal compensadas pelas mais raras satisfações e alegrias, o cansaço, deu lugar ao desencanto.

Houve momentos em comum, para refletirem, recomeçarem, mas novas crises surgiram e a opção separação, começou a germinar. E, para grande desgosto dos quatro, aconteceu mesmo.

Um dia, o Luís juntou alguma tralha e, de coração despedaçado, abraçou os filhos, lavado em lágrimas, mas disse-lhes que apesar de tudo, continuavam todos vivos, que os amava mais que tudo, e que eles eram a outra metade da sua vida.

A Isaura apareceu, os filhos agarram-se a ela como à parte do seu porto de abrigo que ficava, ele olhou-a nos olhos, num ímpeto, acariciou-lhe a cabeça, e partiu.

Embora já não estando sempre presente, via os filhos com frequência. Até porque arranjou casa próximo. Sempre que podia, ia passear, tomar refeições com eles e por vezes dormiam mesmo na sua casa. Quando os ia levar a casa da mãe, por vezes via-a e cumprimentavam-se. Passado tempos, os olhares começaram a prolongar-se…

Quase um ano depois, em vésperas de Natal, um dia, quando deixou os miúdos à porta, ela perguntou-lhe: então e o Natal? Como é para ti? Olhou-a, num misto de surpresa e satisfação, encolheu os ombros; olha, ainda não sei.

- Podes vir cá jantar!

- Muito bem! Depois digo-te.

Disse mesmo, e no dia 24, bastante antes da hora de jantar, até porque ficou de levar as couves e o vinho, lá estava.

Alguma frieza inicial desvaneceu-se, e o jantar decorreu em harmonia e satisfação. Os pais comeram com gosto o tradicional bacalhau com todos, os infantes nem por isso. Mas como era Natal, embora a mãe reforçada pelo pai, mais uma vez lhes dissesse que não deviam ser esquisitos, fez-lhes uns bifinhos de peru, e marcharam que nem ginjas.

Para gáudio do Rui e do Rafa (Rafael), à meia noite, o Luís disfarçou-se de Pai Natal e foi ao carro buscar as prendas.

Já a noite era quase madrugada, inesperadamente, o mais velho dos manos, o Rui, pergunta: pai, já é tão tarde. Ainda te vais embora?

A Isaura, que estava a limpar os pratos, parou imediatamente, o Rafa suspendeu a corrida do bólide que há pouco tinha recebido do Pai Natal,o silêncio imperou.

A Isaura olha-o nos olhos, o Rafa questiona-o também: vais, pai? O Luís ensaia um tímido sorriso, mas perante o mais entusiasmado da mãe dos seus filhos, abre o seu de orelha a orelha, agarra primeiro no filho mais pequeno, depois no outro, e exclama numa voz tão forte, como se não quisesse apenas dizer aos filhos e à já não desavinda companheira, mas ao mundo:Não! Não vou, meus queridos filhos! O pai, nunca mais se vai embora!

E caíram os quatro nos braços uns dos outros beijando-se, sorrindo e chorando de alegria.

Graças ao Natal e às raízes daquele amor que não tinham secado, ele renasceu e a felicidade voltou àquele lar.

Francisco Ramalho