quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

"Somos fala-baratos"

 "Perguntaram-me uma vez, durante uma entrevista, onde é que eu arranjava as ideias. E eu então contei que, quando acordo, sento-me num degrau da cozinha a escrever os pensamentos da manhã, enquanto espero que aqueça a máquina de café, que leva uma hora. "Ah", disse-me o jornalista, "tem de comprar um timer digital". " Para quê?, perguntei. "Assim não tem de esperar".

Lembro-me dessa sugestão valiosa sempre que me apetece responder depressa a uma questão. É fácil ouvir. mas mais fácil ainda é opinar. Alguém nos conta que tem um problema há vários anos e nós, em vez de imaginarmos como será, avançamos imediatamente com uma solução.

A Maria João ensinou-me que as pessoas, quando desabafam, estão a desabafar. Quando choram, estão a chorar. Não estão a pedir ajuda. Não estão a desafiar-nos a arranjar uma solução instantânea. Uma vez, estava eu numa enfermaria ao pé de um homem que tinha o maxilar destruído e passava o dia a dizer que tinha fome, sugeri a uma médica que ele talvez gostasse de uma canja de arroz. Ela olhou para mim e disse: "Não é assim tão simples". Não era. Claro que não era. No dia seguintejá eu tinha percebido isso.

Parece fácil ouvir. Mas é difícil. O mais difícil é ouvir e não falar. Avançar logo com uma solução é desrespeitar não só o problema como a pessoa que a pessoa aflige. Como escritor, custa-me dizer que não há palavras. Não têm é de ser ditas.

O silêncio custa a suportar - o nosso primeiro instinto é dizer qualquer coisa, seja ela qual for, nem que seja só para, logo de seguida, pedir desculpa - mas, muito mais frequentemente do que pensamos ou gostaríamos, o custo de ficar calado é o único que nos compete pagar. Um feliz Natal!"

( O título em epígrafe, bem como o texto subjacente, é, ipsis verbis, da autoria de Miguel Esteves Cardoso  e vem publicado no PÚBLICO de hoje, 24/12/2020 )

Fernando Cardoso Rodrigues

2 comentários:

  1. Alguém dizia que "o silêncio nunca comete erros"...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também nem tanto! Julgo que o MEC fala daquele, avisado, que antagoniza o " entra mosca ou sai asneira"...

      Eliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.