quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A CADA UM SEU RIDÍCULO

                               
Li algures que Luís XIV, o famoso rei-sol, acordou um dia com sensibilidade poética e decidiu passar ao papel as suas emoções, convidando depois Nicolas Boileau, temido crítico literário da época, para que lhe avaliasse o escrito.
O homem leu, releu, coçou a cabeça, até que o soberano, ansioso, lhe perguntou se o achava poeta, ao que o crítico, depois de muito ponderar uma resposta que, não violentando os seus princípios, não ferisse o amor própio do monarca, terá respondido: V.M. realiza sempre o que deseja; quis fazer versos maus e conseguiu-o!
Outra cena risível, à volta do mesmo tema, ouvi contá-la o saudoso Artur Agostinho, jornalista desportivo e popular animador de rádio e TV.
Contava ele que certo aspirante a escritor não dava sossego a um famoso autor para que lhe avaliasse a qualidade de um esboço de livro, que pretenderia publicar, até que o venceu pelo cansaço.
Com umas quantas páginas já percorridas, o mestre suspirou e olhou para o rapaz, que aproveitou para lhe perguntar a opinião. Quando o homem se preparava para lhe dar a contundente resposta, pousou na árvore a cuja sombra se acolhiam uma ave que, oportunamente, se “aliviou” para cima dos papéis, sucesso logo aproveitado pelo homem de letras para dizer ao jovem que a sua opinião era igual à do pássaro…
E quando penso em cenas deste tipo dou comigo a cogitar, muitas vezes, se as pessoas comuns que gostam de escrever, seja prosa ou verso, nas quais me incluo, não vencerão com demasiada facilidade a angústia da folha em branco…
A folha em branco
Apelando para mim
Imaculada
Faz-me crescer o pudor
Mais que o desejo
De desfrutá-la…
O pavor de que
No fim
Menos que saciada
Se revele ao mundo
Suja e abusada
Desfeiteada!

E é quando me dou ao desplante de escrever alguma coisa em verso que mais me aflige, sem grande resultado, este soneto da imortal Florbela Espanca:
               VAIDADE
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou alguém cá neste mundo…
Aquela de saber vasto e profundo
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando
E quando mais no alto ando voando
Acordo do meu sonho…E não sou nada!...

O JN de hoje traz, na pág. 2, esta citação de Jorge Amado: “A poesia não está nos versos, por vezes ela está no coração. E é tamanha. A ponto de não caber nas palavras”.
                                 Amândio G. Martins










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