Li algures
que Luís XIV, o famoso rei-sol, acordou um dia com sensibilidade poética e
decidiu passar ao papel as suas emoções, convidando depois Nicolas Boileau,
temido crítico literário da época, para que lhe avaliasse o escrito.
O homem leu,
releu, coçou a cabeça, até que o soberano, ansioso, lhe perguntou se o achava
poeta, ao que o crítico, depois de muito ponderar uma resposta que, não
violentando os seus princípios, não ferisse o amor própio do monarca, terá
respondido: V.M. realiza sempre o que deseja; quis fazer versos maus e
conseguiu-o!
Outra cena
risível, à volta do mesmo tema, ouvi contá-la o saudoso Artur Agostinho,
jornalista desportivo e popular animador de rádio e TV.
Contava ele
que certo aspirante a escritor não dava sossego a um famoso autor para que lhe
avaliasse a qualidade de um esboço de livro, que pretenderia publicar, até que
o venceu pelo cansaço.
Com umas
quantas páginas já percorridas, o mestre suspirou e olhou para o rapaz, que
aproveitou para lhe perguntar a opinião. Quando o homem se preparava para lhe
dar a contundente resposta, pousou na árvore a cuja sombra se acolhiam uma ave
que, oportunamente, se “aliviou” para cima dos papéis, sucesso logo aproveitado
pelo homem de letras para dizer ao jovem que a sua opinião era igual à do pássaro…
E quando
penso em cenas deste tipo dou comigo a cogitar, muitas vezes, se as pessoas
comuns que gostam de escrever, seja prosa ou verso, nas quais me incluo, não
vencerão com demasiada facilidade a angústia da folha em branco…
A folha em
branco
Apelando para
mim
Imaculada
Faz-me
crescer o pudor
Mais que o
desejo
De
desfrutá-la…
O pavor de
que
No fim
Menos que
saciada
Se revele ao
mundo
Suja e
abusada
Desfeiteada!
E é quando me
dou ao desplante de escrever alguma coisa em verso que mais me aflige, sem
grande resultado, este soneto da imortal Florbela Espanca:
VAIDADE
Sonho que sou
a Poetisa eleita,
Aquela que
diz tudo e tudo sabe,
Que tem a
inspiração pura e perfeita,
Que reúne num
verso a imensidade!
Sonho que um
verso meu tem claridade
Para encher
todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles
que morrem de saudade!
Mesmo os de
alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou
alguém cá neste mundo…
Aquela de saber
vasto e profundo
Aos pés de
quem a Terra anda curvada!
E quando mais
no céu eu vou sonhando
E quando mais
no alto ando voando
Acordo do meu
sonho…E não sou nada!...
O JN de hoje
traz, na pág. 2, esta citação de Jorge Amado: “A poesia não está nos versos,
por vezes ela está no coração. E é tamanha. A ponto de não caber nas palavras”.
Amândio G.
Martins
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