sábado, 14 de dezembro de 2019


Do “Esplendor de Portugal”...


“O meu pai costumava explicar que aquilo que tínhamos vindo procurar em África não era dinheiro nem poder mas pretos sem dinheiro e sem  poder algum que nos dessem a ilusão do dinheiro e do poder que de facto ainda que o tivéssemos não tínhamos por não sermos mais que tolerados, aceites com desprezo em Portugal, olhados como olhávamos os bailundos que trabalhavam para nós e portanto de certo modo éramos os pretos dos outros da mesma forma que os pretos possuíam os seus pretos e estes os seus pretos ainda em degraus sucessivos descendo ao fundo da miséria.
 
O meu pai costumava explicar que aquilo que tínhamos vindo procurar em África era transformar a vingança de mandar no que fingíamos ser a dignidade de mandar, morando em casas que macaqueavam casas europeias e qualquer europeu desprezaria considerando-as como considerávamos as cubatas em torno, numa idêntica repulsa e num idêntico desdém, compradas ou mandadas construír com dinheiro que valia menos que o dinheiro deles, um dinheiro sem préstimo não fôra a crueldade da maneira de o ganhar e para todos os efeitos equivalente a conchas e contas coloridas”...

Nota – apontamentos colhidos no livro anexo.


Amândio G. Martins

3 comentários:

  1. Retrato do colonialismo português ou da insondável "alma" universal da espécie humana, que Freud aflorou?...

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  2. O colonialismo foi execrável em todo o lado onde se praticou, não se podendo falar de um "colonialismo" português diferente, só que os nossos pensadores mais lúcidos estarão mais à vontade para falar do que melhor conhecem...

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    1. Só escrevi "português" porque A.Lobo Antunes também assim designou o "esplendor". Mas o resto da minha frase vai ao encontro do que comentou.

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