terça-feira, 24 de dezembro de 2019


Foi há já 50 anos...


...E gostava de poder acreditar que já não é possível assistir hoje a um quadro igual, mas receio que ele possa verificar-se, mais do que muitos podemos imaginar, em vários lugares deste nosso tão desigual país. Levava apenas alguns meses no estágio de um ano a que a empresa para a qual fui trabalhar obrigava o pessoal acabado de entrar, levando-o a circular por todas as zonas do país onde tinha representação, ficando uma semana com um, a que se seguia a mesma rotina com o próximo, até completar a volta pelo país inteiro, no fim do que, analisados os informes enviados pelos responsáveis de zona para a respectiva direcção, era decidido se ficava efectivo na empresa ou ia pregar para outra freguesia.

Naqueles frios dias de dezembro andava em Évora e calhou de almoçarmos  num conceituado restaurante do centro da cidade; sentado com o colega da zona a uma mesa próxima da “montra”, falávamos das incidências da actividade da empresa naquela área, “tasquinhando” alguma coisa enquanto não vinha a comidinha pedida, que depressa chegou.

Saboreávamos uma carne alentejana, e à alentejana, quando nos despertou o  empregado que enxotava um rapazinho franzino, pobremente vestido que, com o nariz “esborrachado” no vidro, olhava quem comia; vimos que o miudo recuou por uns momentos, mas voltou quando o empregado se afastava, momento que aproveitei para lhe fazer sinal se tinha fome, embora me parecesse evidente, ao que lhe sorriram os olhos tristes, abanando a cabeça que sim; abrimos discretamente dois pãezinhos, metemos dentro bocados de carne tirados da travessa e fiz-lhe sinal para ir à porta, onde lhe entreguei aquele lanchinho e o vi correr agradecido por um bocado de comida que lhe era devida por uma sociedade insensível às suas necessidades...

Bom Natal, com saúde e alegria - e algumas rabanadas também - na companhia daqueles que mais vos querem...


Amândio G. Martins

2 comentários:

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