sábado, 30 de maio de 2020

A árvore... e a floresta - Comentários

Nota: Este texto constitui uma resposta a um comentário ao post “A árvore… e a floresta”, de ontem, que, por excesso de caracteres, teve de vir “parar” aqui. 


Não, não se trata de um confronto entre um economista e um médico. Nunca tive esse posicionamento, como o poderão atestar inúmeras “discussões” com médicos (e muitos outros profissionais) que rebatiam a primazia que eu sempre dei aos gastos/investimentos nas áreas da Saúde, Educação e Justiça, em detrimento da inviolabilidade dos diversos défices que tanto nos afligiram. O meu escopo sempre foi - e é - o interesse geral. 

Na minha posição, não poderá encontrar qualquer acusação ao pessoal afecto à Saúde. Rendo-lhe totalmente os meus respeitos e reconhecimento e, como o Fernando, também não tenho dúvidas em afirmar que, no caso da “distribuição” dos ventiladores, tanto como em todas as decisões que, em cima da hora e do acontecimento, os médicos tiveram de tomar, o fizeram no escrupuloso cumprimento da ética. Acrescento ainda que tenho altíssima confiança nas capacidades desse mesmo pessoal em regenerar e recuperar os doentes. Alguém os levou a preferirem afastar esse “cálice”, adoptando a posição sistémica da prevenção. Teria sido o que mais interessava às populações?

O problema não é esse, o do confronto, mas, francamente, confesso que me tem custado passar esta mensagem que, para mim, cada vez me parece mais óbvia, inevitável. A responsabilidade por esta dificuldade tem, forçosamente, de ser minha e, em consciência, não posso ceder à preguiça de a abandonar... só porque é difícil!

Em primeiro lugar, não fui ainda convencido, desde o princípio da pandemia, de que o “problema” nos obrigasse a fazer tudo quanto nos foi exigido. Porquê? Porque esta não é a primeira pandemia da Humanidade que, já neste século, se deparou com uma outra que, à partida, poderia acarretar repercussões não menos “catastróficas”. Se, então, se tivessem tomado as medidas actuais teria sido “inteligente”? Não, mas dir-me-ão que agora é fácil responder. E eu respondo que, se idênticas medidas tivessem sido ordenadas - e isto não é “especular” gratuitamente sobre o assunto, é fazê-lo com a curiosidade indispensável à progressão científica - todos nós as teríamos acatado e a ninguém seria permitido questionar a sua imprescindibilidade.

Depois, eu quis chamar a atenção para uma falha, grave a meu ver, do estudo da Escola Nacional de Saúde Pública. Realizar um estudo considerando apenas alguns dos efeitos das acções tomadas, medindo-as sem olhar às outras, parece-me tudo menos cientificamente correcto e, dado o caso, ainda menos ético. Hão-de dizer que sou um fanático na citação da condição coeteris paribus, mas arrisco-me a afirmar que ninguém achará de bom senso aproveitar as experimentações in vitro de fenómenos eminentemente sociais, e ficar-se por aí, sem que se analisem as alterações observadas no restante universo, sobretudo quando se agiu sobre ele. Ora, poderá alguém contradizer-me irrefutavelmente quando digo que houve mortes ocasionadas indirectamente pela confinação? Basta isto para não validar a “provocação” do cotejo entre “mortos”, tanto mais que a minha “contabilidade” nunca entra em linha de conta com grandezas de mensurabilidades que não as naturais do ofício. Mas o que não posso é esconder que a “cura” trouxe - e vai trazer - muitas mais vítimas. Não esqueçamos as suspensões de consultas e cirurgias, os tratamentos e novos diagnósticos, tudo adiado. E o aumento das tensões sociais, com as vítimas da violência doméstica e familiar, o empobrecimento generalizado dos mais pobres.

Na Europa, tudo vai “bem” com o confinamento. O Reino Unido até arrepiou caminho na estratégia inicial, coisa que, aliás, só merece os meus encómios, não obstante o seu destinatário principal ser esse sr. Boris. Quanto aos suecos, sem ignorar a diferença abissal que existe nas características do seu povo e da sua organização político-social, comparativamente aos outros países, eles continuam a dizer que as contas ainda não estão fechadas, e que o confinamento dá resultados a curto prazo, mas não é sustentável no tempo. A seu tempo, veremos. Tenho enorme curiosidade em observar os resultados obtidos nos testes sorológicos, quanto mais não seja para afastar de vez a ideia de que tanto esforço e prejuízo (não só económico…) talvez não tivesse sido necessário. 

Como quer que seja, temos de aceitar as directrizes tomadas no combate à pandemia. Não há volta a dar. Até me disponibilizo para admitir que podem ter sido as mais adequadas. A questão é que ainda ninguém me provou incontestavelmente que é assim. E continuo a ver motivos de sobra para as questionar, com explicações que, francamente, deixam muito a desejar. 

Estou perfeitamente conformado com a ideia de que nunca terei reconhecimento nesta questão. A dimensão das medidas que se tomaram nunca permitirão que alguém perca a face, e como nunca se poderá provar que esta ou aquela posição seria a mais correcta - o Mundo não é um laboratório, e não existe outro ao lado para podermos comparar - terei de me submeter ao “politicamente correcto”.


2 comentários:

  1. Posições tomadas, posições aceites. Sobre isso parece não haver grande dúvida e não valerá a pena continuarmos, julgo eu.
    Vai permitir-me, no entanto, que rebata três ou quatro afirmações que fez e que valem por si e merecerão ser confrontadas. A primeira é a de que os médicos "foram levados por alguém a apostar na posição de prevenção sistémica". Aquele "alguém" é bem insinuador, não acha?... Segundo, o trabalho da ENSP não é ( e atenho-me à conclusão que me forneceu), ao contráriodo que diz, cientificamente incorrecto ou pouco ético. Se o objectivo era somente aquele das mortes por Covid-19, porque o seria? Outros parâmetros há a valiar ( e, há, claramente) esses serão para outros trabalhos, provavelmente feitos por sociólogos e... economistas.O terceiro, é a sua "conformação" com "submissão" ao "politicamente correcto. Qaunto ao conformar-se, bom isso o José lá saberá, mas o "politicamente correcto" não me parece grande expressão para o caso, dada a sua conotação bem conhecida e, aqui, inadequada. Termino: olhe que não está tão sózinho assim na sua posição, olhe que não...
    Nota: Embora seja uma redundância, vou dizê-lo novamente: é sempre um gosto discutir consigo.

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    1. Se não maior, idêntico gosto tenho em debater consigo, até pelo estímulo que me incute para expor os meus pensamentos, em liberdade e sem paixão, ou, pelo menos, com a maior temperança intelectual possível.
      Vamos às “confrontações”.
      O “alguém”, em minha opinião e só isso, poderá ser o poder político. Que, ele próprio, ficou bem patente, é tão contagiante e contagiável como qualquer mortal. Posição discutível? Claro que sim.
      O trabalho da ENSP pode ser exemplar e até ter sido produzido em ambiente “científico”. Mas não lhe consigo reconhecer a isenção e a independência que um “estudo científico” deve ter. Ou será um trabalho que só divulga o que interessa ao mandante (seja ele quem for)? A dúvida, pelo menos, fica. De resto, os sociólogos e economistas que se hão-de debruçar (vamos ver...) sobre o tema, em perspectivas diferentes, vão necessitar desses dados. Eles estão lá? Se sim, por que não foram divulgados? Se não, parece-me suspeito…
      O “politicamente correcto” está lá entre aspas. Justamente para impedir qualquer tentativa de "politizar" o assunto (se isso estivesse nas minhas intenções, não teria usado as aspas), e de realçar o pensamento "mainstream" que, convenhamos, se gerou em torno do assunto. Sem ignorar que "tudo é político", reconheço (sempre) que a imagem pode não ter sido a melhor. Mas não me ocorreu outra.
      O “esmagamento” da informação pública massificada conduz-me, de facto, a um certo desejo de “conformação”. Falta de coragem? Talvez, mas prefiro atribuí-lo a algum cansaço que a saturação acaba por produzir.
      Na realidade, sinto-me “sozinho”, passe a presunção e o exagero. É certo que há muitos contra o confinamento e medidas congéneres, mas a maioria deles não está comigo. Olhe o Trump e o Bolsonaro. As motivações deles são outras...
      Gostaria ainda de deixar claro que não perfilho qualquer teoria de conspiração. Venha ela de onde vier. E digo isto fazendo-lhe a justiça de pensar que não me viria acusar de tal coisa. Mas textos públicos podem ter muitos leitores.

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