sexta-feira, 8 de maio de 2020

Dizer é preciso


Nesta crise em que um vírus nos meteu, duas coisas não deveriam ter acontecido: ter-se permitido a disseminação da ideia, na maioria da população, de que quem era contagiado, morria; e ter-se propagado a percepção de que seria possível salvar toda a gente, com zero mortos, tal como os americanos, com drones e à distância, conseguem ganhar sem baixas as guerras em que se metem, escusando-se a pôr os pés nos teatros de operações. Nenhum político em funções governativas arrisca ser acusado de erros que envolvam morte de cidadãos, quanto mais não seja porque sabe que será escrutinado em eleições vindouras. O desconfinamento pode acarretar maior contaminação, “desastrosa” para a popularidade dos governantes, mas é inevitável, a menos que se prefira o caos económico e social, inimaginável ainda hoje, apesar do que já vivemos.   
Trump e Bolsonaro teimam em ignorar os motivos do confinamento. Mas não pelas melhores razões: eles estão apenas a defender os interesses dos grandes capitalistas e fazendeiros. Não é o mesmo que prevenir para a irremediável desgraça que vai desabar sobre as sempiternas vítimas, as classes média e baixa, e que será tanto maior quanto mais tempo durarem as limitações à actividade normal.

Público - 13.05.2020, expurgado das partes sublinhadas.
 
NOTA: Há momentos na vida em que dizer-se o que se pensa e o que se sente é muito difícil. Pressente-se que é impopular o que vamos dizer, que os outros prefeririam ouvir coisas diferentes, que vamos ao arrepio de uma concordância geral. Contudo, elas têm de ser ditas.


4 comentários:

  1. Confesso que, tendo acordado há pouco, tive que ler o seu texto mais que uma vez pois a cada parágrafo tropeçava, numa dificuldade em lhe arranjar uma "linha de inteligibili"ade". Defeito meu. Primeiro as tais "duas coisas" que refere, antagónicas, em que numa se dizia que "morre toda agente infectada" e noutra " nós ( políticos) não vamos deixar morrer ninguém". Pois confesso que não senti nem uma nem outra. Talvez porque em nada na vida e, muito mais na saúde/doença, vejo as coisas a preto e branco e há toda uma panóplia de hipóteses, muito embora, no caso vertente e quase sempre, se tente melhorar sempre e "tudo" curar. Depois, não entendi muito bem se preconiza mais o confinamento ou a abertura? Bem sei que, em determinado momento, envereda por se "confinar" a Trump e Bolsonaro e às suas "intenções" e realmente aí é difícil... percebê-los. Por último a NOTA final: concordando consigo em tese, confesso que não a percebi na sua existência deste texto. O que o levou a escrevê-la, é a pergunta que faço a mim mesmo.

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  2. A Nota deve-se à sensação (este, de facto, é um post feito de “sensações”) de que a opinião geral que se passa tem escamoteado - e não digo que por intencionalidade - a profundidade e o alcance do que prevejo (oxalá que mal…) nos vai trazer o futuro. Em minha opinião, poucos ainda se deram conta disto, não se encontrando também muito disponíveis para “mexer” no assunto. Sei que o meu texto se arriscou a suscitar profundas discordâncias e incompreensões.
    Confinamento ou abertura? Respondo: prudência. É vago, eu sei. E também sei que toda a gente diz e vai dizer que está a agir e a pensar com prudência. É a vida…
    O Brasil e os Estados Unidos estão a ser vítimas da conjugação de vários factores, dos quais destaco a fragilidade absoluta dos seus sistemas sociais e de saúde e a extrema infelicidade de serem governados por dois energúmenos (no estrito significado do meu dicionário: “pessoa apaixonada que se exprime por brados e gestos violentos”).

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    1. Eu bem me parecia que as "sensações" prevaleciam! O José anda muito assim, não anda?... Não me queira mal, esta é somente uma "sensação" minha... desculpe. Bem ao contrário de "racionalidades" que são bem mais convencidas, saudosistas... do passado ou do nunca existente.

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    2. Ando muito “assim”, é verdade. E já há tempo demais, mas as mais altas instâncias, as que poderiam dar-me algumas razões para andar de forma diferente, não têm feito muito por isso.
      “Sensações”, sem dúvida, mas de quem já por cá anda há muito tempo, isto é, baseadas numa relativamente grande experiência de vida e de observação, polvilhada, aqui e ali, por um pouco de cepticismo prudencial. Já as “racionalidades”, ainda que obtidas com métodos científicos, se partirem de pressupostos e dados errados, não permitem conclusões fiáveis. Esperemos pelo futuro para ver se eu não tenho razão. Pessimismo excessivo e desnecessário? Talvez e oxalá.

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